18.8.08

A formação do Estado no Brasil

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(Uma crônica histórica do Estado brasileiro)

O Estado no Brasil resultou de uma enorme operação de conquista e ocupação de parte do Novo Mundo, empreendimento no qual se associaram a Coroa portuguesa, através dos seus agentes, e a Igreja Católica, representada primeiramente pelos jesuítas. Politica e ideologicamente foi uma aliança entre o Absolutismo ibérico e a Contra-Reforma religiosa, preocupada com a posse do território recém descoberto e com a conversão dos nativos ao cristianismo. Naturalmente que transcorrido mais de 450 anos do lançamento dos seus fundamentos, o Estado brasileiro assumiu formas diversas, sendo gradativamente nacionalizado e colocado a serviço do desenvolvimento econômico e social.
O Estado colonial luso-jesuítico

O Estado colonial foi produto da conquista militar Oficialmente as instituições do Estado já existem no Brasil há mais de 450 anos e, naturalmente, apresentaram as mais diversas formas ao longo desses quatro séculos e meio de história. Desconsiderando-se as doações das 15 Capitanias Hereditárias iniciais, feitas a partir de 1532, experiência administrativa fracassada, a origem do Estado no Brasil data da implantação do Governo-Geral em Salvador na Bahia, no ano de 1549. A sua função primeira, além de garantir o funcionamento da indústria açucareira e da extrativista, era a assegurar ao Reino de Portugal a posse, a mais extensa possível, do perímetro litorâneo da terra recém descoberta. Daí verificar-se que a preocupação dos governadores-gerais (Tomé de Souza, Duarte da Costa, Mem de Sá, e outros), foi a construção de fortes nos principais pontos considerados estratégicos. Ergueram os portugueses um colar de pedras e canhões que, tendo Salvador como centro (1549), estendia-se para o norte até o Forte do Presépio, em Belém do Pará (1619), e para o sul até a Colônia do Santíssimo Sacramento (1680) nas margens do Rio da Prata. O Estado colonial foi, pois, antes de tudo um Estado de conquista.
Paralelamente a isto, a Companhia de Jesus, representada pelo padre Manoel da Nóbrega, aliada ao estado absolutista lusitano, encarregada do Apostolado, assumia a função de catequese dos índios espalhados pela vastidão territorial brasileira. Dividindo a colônia em quatro províncias, os jesuítas fixaram-se na área da Bahia de Todos os Santos (Bahia), em São Luís do Maranhão (Setentrional), em São Sebastião do Rio de Janeiro e em São Paulo de Piratininga (Centro-Oriental) e depois, na Meridional, sendo que sua politica de conversão e proteção dos índios tornou-se a principal razão dos conflitos com os colonos reinóis, visto que a ação dos Inacianos igualmente terminou por tornar-se um empreendimento mercantil.
Assim, enquanto a administração do Governo Geral garantia a ocupação, lutando para afastar os invasores estrangeiros (franceses, holandeses calvinistas), os jesuítas dedicavam-se ao pastoreio das almas nativas e à educação dos quadros coloniais por meio de 17 colégios. O governador vindo de Lisboa e o prior da Ordem de Jesus unidos na luta contra a pirataria e contra a heresia e o paganismo. Pacto este - do Absolutismo com a Contra-Reforma - que estendeu-se por 210 anos (1549-1759), até que a Reforma Pombalina pôs fim a ele.
O Estado colonial-pombalino
O novo regime instalado em Portugal (1750-1777) considerava o poder dos jesuítas como uma ameaça aos princípios centralizadores do Estado, assim sendo o Marquês do Pombal, primeiro-ministro de D.José I, determinou a expulsão da Companhia de Jesus de Portugal e das suas colônias, em 1759. No Brasil, os colégios jesuítas foram fechados e as missões destruídas, sendo substituídos por escolas municipais e pela preocupação cientifica no sentido de fazer os súditos não apenas serem seguidores da fé católica mas obedientes às exigências do Despotismo Ilustrado. A “ditadura humanista”, ao tempo em que reprime a nobreza feudal lusitana, decreta a abolição da escravização indígena (1757) Promovida a Vice-Reino, a colônia do Brasil, sob o impacto da descoberta do ouro e dos diamantes nas Minas Gerais, troca sua capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763.
Estatuto que somente será novamente alterado com a chegada da família real portuguesa em 1808. Instalou-se então no Rio de Janeiro não apenas o principe regente (depois D.João VI) e sua corte fugitiva, mas igualmente a máquina burocrática lusitana que controlava um império intercontinental. Resultado imediato disso foi a transformação do Vice-Reino do Brasil no Reino Unido de Portugal , Brasil e Algarve, em 1815. Nesta altura a conquista territorial já havia sido consolidada e os perigos de uma invasão estrangeira afastados. Os únicos “senões” que ameaçavam o Reino Unido eram o pouco significativo conflito na fronteira da Guiana Francesa na região amazônica, e a luta mais intensa pelo controle da Cisplatina na região platina, ambos bem afastados do eixo do poder central.
O Estado imperial brasileiro
A transformação seguinte será a do Estado Imperial brasileiro, legalizada depois da proclamação da independência, em 1822, pela Constituição outorgada de 1824. D.Pedro I dedica-se a obter a legitimidade, contestada por oficiais lusitanos (general Madeira) e por líderes populares do Nordeste (Frei Caneca). A Carta determinou, além dos poderes tradicionais – executivo-legislativo-judiciário – a implantação de um poder moderador (que de fato tornou-se uma sobreposição da autoridade do imperador). Os objetivos gerais do Estado Imperial, que se estendeu até 1889, podem ser determinados pela : a) consolidação da autoridade imperial sobre todo o território brasileiro; b) manutenção do regime escravista; c) preservação da paz interna e do reconhecimento internacional.
As bases do Estado patrimonialista, herança do colonialismo lusitano, observou Raymundo Faoro, teriam suas raízes ainda mais aprofundadas nesta época, ocasião em que as fortunas privadas eram acumuladas graças aos privilégios auferidos pela nobreza nativa criada por D.Pedro I e reafirmada por D.Pedro II. Ideologicamente pode-se dizer que o Império Brasileiro (que continuou sendo um estado português no ultramar) gradativamente afastou-se dos primados absolutistas dos seus primeiros anos, dominados pelo clima da Santa Aliança, para uma posição similar ao do regime monárquico britânico, onde havia a convivência do soberano com um parlamento bipartidário. Isto, todavia, não significou o afrouxamento do controle central sobre o provincial.
O fracasso do Ato Adicional de 1834, ao estimular uma onda de rebeldia (Revolução Farroupilha, Cabanagem, Sabinada, etc...) em diversas províncias do reino, fez com que a autoridade voltasse a ser concentrada no trono do Palácio de São Cristóvão, sem provocar, entretanto, a tirana imperial. Paradoxalmente foi a vitória na Guerra do Paraguai (1864-1870) que terminou por enfraquecer o império. Necessitando ampliar o poder do exército para derrotar Solano Lopes, D. Pedro II terminou por armar o braço que acabou por derrubá-lo em 15 de novembro de 1889, na crise decorrente da abolição da escravatura determinada pela Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.
O Estado oligárquico-republicano
A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, seguida da aprovação da Constituição de 1891, inaugurou um novo regime político no Brasil, desta vez fortemente inspirado no presidencialismo federativo norte-americano. Os estados, governados por presidentes, gozaram da mais completa autonomia possível, tendo inclusive uma política externa independente. O encolhimento da autoridade da União, resultante do federalismo extremado então adotado, reavivou os poderes localistas dominados pelos coronéis (antigos integrantes da Guarda Nacional) que passaram a ser os verdadeiros donos dos destinos políticos dos seus respectivos estados, controlando e manipulando as eleições, e, por conseqüência, a composição das bancadas estaduais e federais, tornando-se a república uma versão brasileira do caciquismo imperante na América Hispânica.
O poder central, por sua vez, em pouco tempo caiu sob o controle dos dois estados mais ricos e populosos do Brasil republicano: São Paulo e Minas Gerais, regiões maiores da produção cafeeira e industrial. A antiga burocracia imperial deu lugar às burocracias estaduais, sem que essas tivessem entretanto a autoridade e o prestigio dos servidores da corte. Se o modelo adotado no Império inspirava-se no sistema britânico de governo de gabinete com dois partidos, o liberal e o conservador alternado-se no poder, o regime republicano tentou seguir as pegadas da democracia liberal americana, sem todavia imitar-lhe o bipartidarismo.
O Estado desenvolvimentista
Praça dos Três Poderes, Brasília, símbolo do Estado desenvolvimentista A crise de 1929, e a Grande Depressão que a seguiu, além de debilitar o poder da politica “café com leite”, hegemônica durante a República Velha (1889-1930), desautorizou o dogma liberal do não-intervencionismo estatal. Desde então, com exceção do pequeno mas influente grupo de liberais extremados, os destinos do Brasil foram traçados pela ascensão do estado desenvolvimentista, movido pela missão de fazer a transição de uma economia eminentemente agrária para uma industrial. Daí a adoção da concepção hegeliana de que o Estado é a grande alavanca do progresso econômico e social do país. Posição que foi reforçada pelas políticas keynesianas aplicadas em diversas partes do mundo a partir de 1930. Para tanto, foi necessária a criação da moderna burocracia – na verdade uma tecnocracia formada por profissionais, civis e militares, engajada em serviço integral, que atuou como o principal agente da transformação econômica do pais (o locus tenens da burguesia industrial dos países desenvolvidos).
Neste período todo pode-se identificar três grandes correntes desenvolvimentistas: a) a executada pela via autoritária populista (da implantação da infra-estrutura estratégica nos setores do aço, da energia e do petróleo); b) a adotada pelo desenvolvimentismo democrático, voltado para a substituição das importações; e a c) implantada pelo autoritarismo militar, síntese de ambas. Octavio Ianni, por sua volta, optou por identificar apenas duas : a Politica Econômica Nacionalista e a Política Econômica Liberal (ver Estado e Planejamento Econômico no Brasil,: 1930-1970, RJ. Civilização Brasileira) Durante o vintênio militar consolidaram-se o que Fernando Henrique Cardoso denominou certa vez de “anéis burocráticos”, isto é, o “mecanismo informal que privilegia a determinados grupos econômicos privados o acesso às decisões e aos recursos estatais”. O que, de certo modo, pode entender-se como um aggiornamento das antigas práticas patrimonialistas apontadas por Faoro como características do Estado Estamental brasileiro.
A intermitente inflação das décadas de 1970-80, a queda do Muro de Berlim, o colapso da União Soviética acompanhada pela descrença na planificação econômica, fizeram com que, num cenário globalizado, hegemonizado pelos Estados Unidos e pelo capitalismo americano, os princípios da doutrina neoliberal, antiintervencionista e privatizante, predominassem no Brasil, como em outras paragens, afetando as políticas de desenvolvimento até então conhecidas e praticadas.

Bibliografia
Avellar, H. de Alcântara – Taunay, A.D. – História administrativa do Brasil, Brasília, DASP – Serviço de Documentação, 1965
Bresser Pereira, L.C. – Desenvolvimento e crise no Brasil, São Paulo, Brasiliense.
Calógeras, Pandiá- Formação Histórica do Brasil, São Paulo, Nacional
Faoro, Raymundo – Os Donos do Poder, Porto Alegre, Globo, 2 vols.
Fausto, Boris – A Primeira República, São Paulo, Difel
Holanda, Sérgio B. – Fausto, B. – História da Civilização Brasileira, São Paulo, Difel, 8 vols.
Ianni, Octavio – Estado e Planejamento Econômico no Brasil: 1930-1970, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
Silva, Hélio – O Ciclo de Vargas, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 10 vols


Fonte: Voltaire Schilling