12.9.09

O Setembro Negro de 1939, as origens da Segunda Guerra Mundial

Na madrugada do dia 1º de setembro de 1939, um milhão e meio de soldados alemães, fortemente apoiados pela aviação e por divisões mecanizadas, adentraram pelas fronteiras da Polônia e em pouco tempo colocaram fora de combate as forças armadas daquele pequeno país europeu. Deram início com aquela invasão a mais pavorosa das guerras até então vistas pela humanidade, uma tragédia que se estendeu por seis anos até a capitulação final do Terceiro Reich e de seus aliados entre maio-agosto de 1945.


A Grande Catástrofe

A Segunda Guerra mundial foi a maior catástrofe provocada pelo homem em toda a sua longa história. Envolveu setenta e duas nações e foi travada em todos os continentes 9direta ou indiretamente. O número de mortos superou os cinqüentas milhões, havendo ainda uns vinte e oito milhões de mutilados. É difícil calcular quantos outros milhões saíram do conflito vivos, mas completamente inutilizados devido aos traumatismos psíquicos a que foram submetidos (bombardeios aéreos, torturas, fome e medo permanente). Outra de suas características, talvez a mais devastadora, foi a supressão da diferença até então existente e respeitada entre aqueles que combateram no fronte de guerra e a população civil na retaguarda.


Ela não isentou ninguém, foi brutal com todos. Como disse Joseph Goebbels, no seu famoso discurso pronunciado no Sport Palace de Berlim em 18 de fevereiro de 1943, o conflito transformou-se numa
Totaler krige, numa Guerra Total, visto que, conforme o choque foi se prolongando, nenhum dos envolvidos selecionou seus objetivos militares excluindo os civis. Atacar a retaguarda do inimigo, suas cidades, suas indústrias, suas estradas de ferro e de rodagem, seus hospitais e casas de repouso, suas usinas e reservatórios de água, matar suas mulheres, crianças e velhos passou a fazer parte daquilo que os estrategistas eufemisticamente classificavam como “guerra psicológica” ou “guerra de desgaste”. Naturalmente que a evolução da aviação e das armas autopropulsoras permitiu que a antiga separação entre linha de frente e retaguarda se visse na prática abolida.


Custo e mobilização


Se a Primeira Guerra Mundial causou um custo de 208 bilhões de dólares, a de 1939-1945 atingiu a impressionante cifra de um trilhão e 500 bilhões de dólares, quantia que, se investida no combate à miséria humana, teria suprido da fase da terra. Aproximadamente 110 milhões de homens e mulheres foram mobilizados, dos quais apenas 30 % não sofreram morte ou ferimento. Como em nenhuma outra, o engenho humano foi mobilizado integralmente para criar instrumentos cada vez mais mortíferos, sendo empregados a bomba de fósforo, o napalm e, finalmente, a bomba atômica (lançada sobre as cidades nipônicas de Hiroxima e Nagasaki). Como nunca em qualquer outro conflito generalizado, estabeleceu-se uma política de genocídio em massa construindo-se campos especiais para tal fim.


Como bem disse o historiador R.A.C. Parker: “O conceito que a humanidade tinha de si nunca voltará a ser o mesmo”.

O cenário que levou à catástrofe

Pôster alemão: ‘trabalhe pela vitória’
“... a decisão de qualquer guerra nem sempre deve ser considerada como um caso absoluto: muitas vezes o Estado vencido vê na sua derrota um mal transitório a que as circunstancias políticas anteriores poderão fornecer um remédio.”

- Von CLAUSEWITZ -

Causas diplomáticas

Quase todos os historiadores concordam que a causa diplomática mais profunda da Segunda Guerra Mundial tem sua origem nos Tratados de Paris, assinados entre as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial (Estados Unidos, Inglaterra franças) e as vencidas (a Alemanha e a Áustria) em Versalhes. A Alemanha se viu despojada da Alsácia-Lorena (que havia conquistado na guerra franco-prussiana de 1870), como teve de ceder à Polônia uma faixa de território que lhe dava acesso ao Mar Báltico. A cidade alemã de Danzig passaria ao controle da Liga das Nações e o território do Sarre, rico em carvão foi cedido por um período de 15 anos à França. Também foi vedado à Alemanha possuir um exercito superior a 100 mil homens; exigindo-se a desmilitarização da Renânia região fronteiriça com a França, assim como o desmantelamento das fortificações situadas a 50 km do rio Reno. A outrora grande potência da Europa viu-se compelida a entregar todos os navios mercantes cujo peso ultrapassasse a 1.600 toneladas assim como ceder gado, carvão, locomotivas, vagões cabos submarinos, etc. sendo que a sua dívida sonante para com os aliados foi fixada na Conferencia de Bologne (21 de junho de 1920) em 269 bilhões de marcos-ouro a serem pagos em 42 anualidades.


Não poderia, por igual, desenvolver pesquisas bélicas, possuir submarinos ou realizar projetos militares (aviões, canhões, etc.), enquanto isto, o velho Império Austro-Hungaro foi desmembradas pelo tratado de Paz de St. Germain-em-Laye, tendo que entregar o Tirol do Sul para a Itália e reconhecer a independência da Hungria, Tchecoslováquia, Polônia e Iugoslávia, além de lhe ser vedado a união com a Alemanha. A republica austríaca, proclamada em 1918, viu-se proibida de possuir um exercito superior a 30 mil homens.


Estas sanções aplicadas pelos vencedores tornaram-se fonte de amargos rancores que facilmente foram explorados pela extrema direita nacionalista, (nazistas e capacetes-de-aço, que começaram a proliferar na Alemanha em 1919). O grande erro do Tratado de Versalhes foi ter ferido profundamente o sentimento nacional dos alemães, e, por outro lado, não lhes ter suprimido o potencial industrial. Com 65 milhões de habitantes tendo um enorme parque fabril à disposição era inevitável que a Alemanha, mais tarde ou mais cedo, voltasse a querer ocupar o seu lugar no rol das potencias européias. Os diplomatas de 1919 se esqueceram da lição do Congresso de Viena (1815), quando os vencedores de Napoleão procuravam não humilhar a França, a nação mais povoada da Europa Ocidental naquela época para que um espírito de vingança não deitasse raízes no coração dos seus cidadãos de então.


Esta contradição entre potencial demográfico e industrial e o não reconhecido diplomático de um estatuto privilegiado para a Alemanha terminou por fazer com que a ascensão de Hitler fosse possível.

Perdas territoriais da Alemanha em 1919.

1. Região de Eupen – Malmedy: entregue à Bélgica

2. Região da Renânia: desmilitarizada

3. Bacia carbonífera do Sarre: entregue à França por 15 anos

4. Região da Alsácia e Lorena: devolvida à França

5. Região do Schleswig: entregue à Dinamarca

6. Cidade de Danzig: controlada economicamente pela Polônia e administrada pela Liga das Nações

7. Região da Prússia: entregue à Polônia

8. Cidade de Memel: controlada pela Liga das Nações

9. Região da Silésia Superior: explorada economicamente pela Polônia.



Obs.: O resultado direto das perdas territoriais impostas pelo Tratado de Versalhes fez com que a Alemanha perdesse 14,6% de suas terras aráveis, 74,5% de suas reservas de ferro, 68,1% do seu zinco e 26% dos seus recursos carboníferos.


(Fonte: Passant, E.J. – A Short History of Germany: 1815-1945,
Cambridge, 1976, p.153-156).

Um cordão de ferro ao redor da Alemanha

Os aliados ocidentais, principalmente a França, ao estimularem o surgimento de novos estados nacionais na Europa Centro-Oriental, visavam substituir a Rússia (então em plena guerra civil) como um fator de dissuasão para qualquer tentativa alemã de agressão. A Tchecoslováquia e a Polônia assinaram tratados de defesa mútua com a França e com a Inglaterra. Esperava-se que estes dois países obrigassem os alemães a lutar em duas frentes – como ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial – caso tentassem repetir o erro de 1914. Tinham em mente a imagem de um cordão de ferro passado ao redor das fronteiras alemãs. A França, por sua vez, numa falsa avaliação da guerra de trincheiras, iniciou a construção da “Linha Maginot”, um complexo sistema defensivo que partia da fronteira suíça até a Bélgica. Desta forma, esperava evitar um ataque de supresa por parte de seu poderoso vizinho. No entanto, os efeitos morais e psicológicos desta atitude defensiva tiraram do Exército francês qualquer alternativa ofensiva, limitando-se a ter que agir caso os alemães o fizessem primeiro.


A Inglaterra, no período entre-guerras, tornou-se cada vez mais apaziguadoura, segura de sua situação estratégica e de possuir a mais poderosa frota naval do mundo, dando-lhe a proteção suficiente caso houvesse um novo conflito. Os Estados Unidos – governados por uma série de presidentes republicanos - voltaram nos anos 20 a adotar a política do isolacionismo, não querendo envolver-se nas querelas dos paises europeus. Estas ambigüidades e contradições dos vencedores de 1918 foram habilmente exploradas por Hitler na década dos anos 30.

Causas econômicas

A crise econômica que se abateu sobre o sistema capitalista mundial, a partir de outubro de 1929, foi o fator mais poderoso para que um novo rearranjo do poder em escala mundial seja ambicionado. A depressão econômica da década de trinta levou os paises capitalistas a tomar medidas protecionistas, visando a salvar os mercados internos das importações estrangeiras, ocorrendo uma verdadeira guerra tarifária. A produção mundial reduziu-se em 40%, sendo que a diminuição do ferro atingiu a 60%, a do aço 58%, a do petróleo 13% e a do carvão 29%. O desemprego grassou nos principais países industrializados: 11 milhões nos Estados Unidos, seis milhões na Alemanha, dois milhões e meio da Inglaterra e um número um pouco superior na França. Não está longe da verdade o fato de ter provocado a aflição e o desemprego em mais de 70 milhões de pessoas (contando-se os seus dependentes). Como a economia já estava suficientemente internacionalizada (com exceção da URSS, que se lançava nos Planos Quinquenais) todos os continente foram atingidos, aumentando ainda mais a miséria e o desemprego ao redor do mundo. A América Latina, por exemplo, teve que reduzir em 40% suas importações e sofreu uma queda de 17% em suas exportações. É nesse contexto caótico que a Alemanha no ocidente e o Japão no oriente, dominadas pela retórica hiper-nacionalista, vão tentar explorar o debilitamento de seus rivais, todos grandes impérios coloniais. Uma nova luta por mercados e novas fontes de matérias-primas levaria o mundo à Segunda Guerra Mundial.

Causas políticas

Desfile militar alemão em Varsóvia (28-30 de setembro de 1939)
A conjuntura externa caótica e a situação interna de desespero conduzem Hitler ao poder na Alemanha em janeiro de 1933, atuando implacavelmente, em menos de um ano sufocou todos os movimentos oposicionistas (sociais-democratas, comunistas e liberais), dando inicio á “Revolução Nacional-Socialista” que tinha como objetivo fazer a Alemanha retornar ao grau de potencia européia. Naturalmente que para tal era necessário romper com o tratado de Versalhes, pois este impedia a conquista do “espaço vital’ como o rearmamento. Atenuava-se o desemprego e atendiam-se necessidades da poderosa burguesia financeira e industrial da Alemanha. Para evitar a má vontade das potencias ocidentais Hitler colocou-se como campeão do anticomunismo em nível mundial, assinou com o Japão (novembro de 1936) e com a Itália (janeiro de 1937) o Pacto Anti-Comintern, cujo objetivo era ampliar o isolamento da URSS (e, quando for possível, invadi-la).


O Japão, que igualmente passou por convulsões internas graves, deu inicio, em 1931, a uma política externa agressiva, explorando o enfraquecimento dos Impérios Coloniais europeus que se mostram impotentes para superar a crise econômica. Em 1937, após ter ocupado a rica região da Manchúria, invade o resto do território chinês, começando deste modo ao longo conflito na Ásia. Seu expansionismo vai terminar por choca-se com os interesses norte-americanos na Ásia (Filipinas) e levar á guerra contra os Estados Unidos.

A Polônia destruída

Às 4h40 da madrugada do dia 1º de setembro, uma colossal força de guerra alemã, partindo de três pontos da fronteira polonesa, rumou rapidamente para a região central do país. Ela obedecia ao comunicado expresso por Hitler um dia antes que afirmava: ‘Por ordem do Führer e do Supremo Comando da Wehrmacht, as forças armadas alemãs assumiram a defesa ativa do Reich. Dando cumprimento a sua missão de resistir à ameaça polonesa, tropas do exército alemão hoje cedo lançaram um contra-ataque. Simultaneamente, esquadrões da força aérea voam em direção à Polônia com a ordem de esmagar objetivos militares. ’

O governo polonês do presidente Ienacy Móscicki havia disposto suas forças militares justo bem próximos da fronteira ocidental com a Alemanha, numa inútil tentativa de deter a máquina militar que agora se movia célere contra as defesas do seu país.

Divididos em dois grandes grupos de exército, o do Norte (com 630 mil soldados) e o do Sul (com 882 mil soldados), ambos sob comando do general Walther Von Brauchitsch, apoiados por 2.400 tanques distribuídos entre 14 divisões mecanizadas, com o céu coberto pelos bombardeios convencionais e de pique que decolavam em massa dos aeroportos alemães, os exércitos invasores não tiveram muita dificuldade em cercar e aniquilar os poloneses dentro do espírito do que os altos-comandos germânicos chamavam de Vernichtungsgedanke (operação de aniquilação). Quatro dias depois do ataque inicial praticamente a guerra estava decidia. Os alemães registram 45 mil baixas (entre mortos, feridos e desaparecidos, menos de 3% das tropas usadas na Operação Fall Weiss).


No dia 27 de setembro a capital Varsóvia negociou sua capitulação com o comando vencedor. As esperanças que os poloneses guardavam de receber algum tipo de apoio da Grã-Bretanha ou da França se esvaíram totalmente. Para cumulo da infelicidade deles, obediente a clausula secreta do Pacto Germano-Soviético de agosto de 1939, a URSS, vinda do Leste, também atacou a Polônia apenas 17 dias depois dela ter sido invadida pela Alemanha nazista. Em menos de trinta dias a republica da Polônia deixara de existir vítima da maior batalha de cerco e aniquilação até então conhecida na história moderna.


Por tudo isto, o mês de setembro de 1939 revelou-se uma data negra na história da humanidade, um momento infeliz que deu a largada para o destroçar de grande parte do patrimônio cultural e civilizatória das nações envolvidas pela guerra.

Bibliografia

Black, Jeremy – War and the World. Londres; Yale University Press, 1998.

Cooper, Matthew – The German Army (1933-1945). Londres: Macdonald and James, 1978.

Liddell Hart, B.H – As Grandes Guerras da História.São Paulo: Ibrasa, 1967.

Liddell Hart, B.H – History of the Second World War. Londres: Pan Books, 1970.

Townshend, Charles- Modern War. Oxford: Oxford University Press, 1997.

Fonte: