2.10.09

Cinco descobertas que abalaram o mundo

por Texto Reinaldo José Lopes

1763

Pompéia e Herculano

O dia-a-dia do Império Romano revelado em detalhes.

Era como se os caprichosos deuses greco-romanos, sempre dados a efeitos especiais, tivessem decretado que aquelas cidades ficariam congeladas no tempo para sempre – com o desagradável subproduto de transformar os moradores em estátuas de cinza vulcânica. Foi exatamente esse o efeito que uma erupção do Vesúvio, no ano 79 da era cristã, teve sobre Pompéia, Herculano, Estábia e outras comunidades romanas no sul da Itália, perto da atual Nápoles. A desgraça dos que morreram se revelou uma bênção para os arqueólogos, que ganharam um retrato vívido de como era a vida italiana no apogeu de Roma.

TESTEMUNHA OCULAR

Embora a destruição das cidades tenha sido relatada em detalhes por uma testemunha ocular, o escritor Plínio, o Jovem (que viveu do ano 61 ao 113), a localização exata das cidades de Pompéia e Herculano ficou esquecida durante 1 500 anos. Não é para menos, já que camadas de material vulcânico de até 25 metros cobriram os municípios romanos. Foi só em 1599 que o arquiteto Domenico Fontana, ao cavar um novo leito para o rio Sarno, desenterrou parte das cidades. A construção de um novo palácio para o rei de Nápoles, Carlos de Bourbon, trouxe à luz inscrições que identificaram Pompéia em 1763.

O monarca napolitano teve o bom senso de patrocinar escavações para revelar de forma cuidadosa as cidades antigas, no que se tornou um marco para a pesquisa arqueológica moderna. Desde então, os trabalhos na área não pararam mais. A descoberta das primeiras obras de arte de Pompéia – afrescos e mosaicos que decoravam as casas de romanos ricos – causaram uma onda de interesse renovado pela Antiguidade entre artistas e intelectuais da Europa. Mas o verdadeiro diferencial dos achados foi trazer um retrato do dia-a-dia no século 1. O formato do corpo dos cidadãos desesperados, e até de seus cães, foi eternizado pelas cinzas; utensílios de cozinha, pães que ainda estavam no forno e tavernas podem ser vistos com o aspecto que tinham quando foram abandonados às pressas. E os edifícios, embora em ruínas, ainda estão cobertos com propaganda política, pichações chulas ou bê-á-bás rabiscados por crianças.

1822

Pedra de Roseta

Hieroglifos do Egito antigo traduzidos pela primeira vez.

Em 1801, enquanto o general Napoleão Bonaparte enfrentava a Marinha britânica numa disputa pelo controle do Egito, os soldados ingleses fizeram um “prisioneiro” nada comum – um bloco de rocha coberto de cima a baixo com 3 tipos de caracteres antigos. A Pedra de Roseta, batizada em homenagem ao porto egípcio de mesmo nome, tinha sido encontrada dois anos antes, em Rashid, durante obras num forte francês. França e Grã-Bretanha continuaram a ser inimigas nas décadas seguintes, mas foi graças ao esforço de pesquisadores dos dois países que a rocha acabou cedendo seus segredos.

MISTÉRIOS REVELADOS

A Pedra de Roseta é um daqueles casos raros nos quais uma inscrição não é importante pelo que ela diz, mas, sim, por “como” ela o diz. A primeira parte do texto estava em grego e era, portanto, relativamente fácil de ser lida. Ela dizia que a pedra havia sido erigida no ano 196 a.C. e continha um decreto de rotina. Acontece que exatamente a mesma coisa estava gravada em outras duas versões: numa escrita conhecida como demótica e, o mais importante, em hieroglifos egípcios, a até então indecifrável escrita dos faraós. Quem conseguisse traduzi-los teria acesso a quase 3 milênios de história.

Para atacar os hieroglifos, entrou em cena a dobradinha franco-britânica. O inglês Thomas Young propôs que alguns caracteres cercados por cartuchos (molduras decorativas) eram nomes reais, e com isso identificou menções ao faraó Ptolomeu 5o Epífanes, que governou o Egito de 205 a 180 a.C, e sua rainha. Para Young, cada hieroglifo correspondia a uma idéia ou conceito – conclusão equivocada que acabou travando o trabalho. Partindo dos estudos de Young, e do fato de que os 3 tex-tos da Pedra de Roseta eram traduções ou paráfrases uns dos outros, o francês Jean-François Champollion testou a idéia de que a maioria dos símbolos na verdade era fonética, correspondendo a sons do idioma egípcio antigo. Funcionou: a partir de 1822, Champollion conseguiu decifrar não só a pedra como uma série de outras inscrições, dando os primeiros passos para acabar com o mistério que cercava o Egito antigo.

1922

Tumba de Tutancâmon

A descoberta mais espetacular na história da arqueologia.

"Temo que o Vale dos Reis esteja exaurido”, escreveu em 1912 o arqueólogo Theodore M. Davis, depois de descobrir a tumba do faraó Horemheb e o que julgava ser o túmulo de outro rei egípcio, um tal Tutancâmon (veja o mapa ao lado). Davis provavelmente quis engolir o próprio chapéu 10 anos depois, quando o mundo ficou sabendo de uma incrível descoberta no mesmo lugar, envolvendo a verdadeira tumba do faraó Tutancâmon.

O britânico Howard Carter achou os primeiros sinais do mausoléu do monarca debaixo de restos de material de construção e tendas de trabalhadores que viveram mais de um século depois de Tutancâmon. O arqueólogo violou a licença de escavação que lhe fora concedida, entrando na tumba antes de comunicar a descoberta às autoridades egípcias (artefatos e jóias da tumba foram encontrados em sua casa depois que ele morreu, sugerindo que as peças teriam sido surrupiadas antes que o governo do Egito pudesse colocar as mãos sobre o tesouro de Tutancâmon). Diz a lenda que, após abrir a porta que separava a câmara escavada na pedra do mundo exterior, Carter teria ficado sem fala, de tão impressionado. Seu mecenas, o nobre lorde Carnarvon, teria perguntado se ele conseguia ver alguma coisa. A resposta foi: “Sim, coisas maravilhosas”.

A tumba do faraó Tutancâmon, que morreu em 1323 a.C., com apenas 18 anos, é a única de um monarca egípcio que escapou dos saqueadores, que “limparam” as sepulturas do Egito antigo. Na verdade, os arqueólogos acreditam que ela tenha sido saqueada pelo menos duas vezes na Antiguidade, mas logo nos meses seguintes ao sepultamento de Tutancâmon – a julgar pelos sinais de reparos nas paredes e reposição de tesouros roubados. Depois disso, nunca mais alguém havia colocado os pés no interior da tumba. A sorte de Tut, como ficou conhecido, também foi a de Carter, que teve acesso à quantidade nababesca de bens que os faraós carregavam consigo para o além-túmulo – e, com isso, traçou um quadro preciso de como era o cotidiano da realeza egípcia.

RIQUEZA POR TODA PARTE

A única coisa modesta no funeral de Tut parece ter sido a própria câmara mortuária – tudo indica que o faraó que o sucedeu, Aye, “roubou” a tumba mais espaçosa, que deveria ser dele. Fora isso, a riqueza estava por toda parte: 4 luxuosos carros de guerra, arcos, cajados, jóias, estátuas guardiãs, remos de barcos, jogos de tabuleiro, comida, vinho, perfumes e ungüentos, num total de 700 itens. O cúmulo do requinte, no entanto, eram os 4 sarcófagos, o último pesando aproximadamente 110 quilos de puro ouro, com a bela máscara mortuária que se tornou a “cara” de Tut para o mundo moderno.

1947

Manuscritos do Mar Morto

A chave para entender como viviam os primeiros cristãos.

As histórias sobre como manuscritos de 2 mil anos de idade começaram a ser encontrados perto do mar Morto variam. A mais popular delas conta que, em 1947, um beduíno, tentando espantar uma cabra perdida dentro de uma caverna, atirou uma pedra e acabou escutando o barulho de jarros se partindo. Ao investigar a gruta, deu de cara com os textos antigos.

Os primeiros manuscritos rapidamente foram parar no mercado de antiguidades da Palestina, e os especialistas logo perceberam que estavam diante de uma oportunidade única. Novas buscas no noroeste do mar Morto, perto do antigo assentamento de Khirbet Qumran, na região de Jericó, revelaram outras 10 grutas que abrigavam textos antigos, e o lento trabalho de leitura e publicação dos originais – alguns eram livros inteiros; outros, pequenos fragmentos com poucas letras – revelou centenas de obras literárias judaicas, a maioria escrita em hebraico e datando de 200 a.C. a 130.

ORIGEM INCERTA

Ninguém sabe a origem dos manuscritos. Uma das teses mais populares é que grande parte deles pertencia aos essênios, um grupo religioso radical que se revoltou contra as autoridades de Jerusalém e teria se instalado em Qumran. Também é possível que outros textos tenham sido escondidos nas cavernas por refugiados que tentavam escapar da destruição de Jerusalém pelos romanos, no ano 70.

Os Manuscritos do Mar Morto ajudaram a provar, em primeiro lugar, que a Bíblia é uma obra extremamente antiga: alguns livros das Escrituras ali encontrados são cerca de 1 000 anos mais velhos que as cópias mais antigas conhecidas até então, e apresentam poucas diferenças em relação ao texto que chegou até nós. Além disso, os textos documentam como o cristianismo originalmente era uma religião cheia de comunidades dissidentes, expectativas apocalípticas e previsões messiânicas. Embora os manuscritos não tragam novidades diretas sobre a vida de Cristo, eles traçam um quadro muito mais claro do mundo que o influenciou.

1974

Exército de Xian

Cerca de 8 mil estátuas em tamanho natural desenterradas na China.

Shi Huang Di (259-210 a.C.), o primeiro imperador da China, provavelmente ficaria frustrado ao descobrir que seu grandioso reino permaneceu unido durante menos de 4 anos após sua morte. Se as realizações políticas do imperador tiveram vida curta, um dos monumentos que ele deixou ainda desperta admiração no mundo inteiro. Trata-se do Exército de Terracota, um grupo de mais de 8 mil estátuas de soldados em tamanho natural que deveria servir de guarda pessoal do monarca na outra vida.

DESCOBERTA POR ACASO

Também conhecidos como “Guerreiros de Xian”, nome da localidade chinesa onde foram encontrados, os soldados de cerâmica de Shi Huang Di só vieram à luz em 1974, quando fazendeiros da região abriram buracos no solo em busca de água. Além dos guerreiros, os artistas do imperador também produziram 130 carros de guerra e 150 cavalos. O conjunto fazia parte de um complexo ainda maior – um gigantesco palácio subterrâneo que servia de tumba para o monarca chinês.

Originalmente, os soldados estavam pintados com cores vivas e carregavam armas de verdade (o tempo desbotou a tinta e as espadas e lanças acabaram sendo roubadas ainda na Antiguidade). Por um lado, as estátuas foram produzidas de maneira que lembra as linhas de montagem modernas: cada parte do corpo dos soldados era esculpida em oficinas separadas e, depois, “colada” para formar o todo. As pernas, por exemplo, provavelmente foram criadas usando o mesmo método que servia para fazer manilhas de barro na época. Além disso, marcas específicas de várias “indústrias” foram identificadas em cada guerreiro, revelando que fabricantes de telhas e outros itens da vida diária foram recrutados para a tarefa de criar o exército.

Ao mesmo tempo, cada soldado do conjunto é único. Eles variam, por exemplo, de tamanho (os menores medem 1,84 metro e os maiores quase 2 metros), em detalhes do rosto (adicionados depois da montagem do corpo) e nos traços do cabelo e do uniforme, que permitem identificar simples guerreiros, oficiais e generais.

Fonte: Superinteressante