2.10.09

A política em Atenas e a instituição da democracia

Por Matheus Blach

Atenas passou por diversos processos de mudança política social e econômica antes de tornar-se a tão falada polis democrática. Esse texto irá abordar o processo de transição da pólis aristocrática para a democrática, o que foi e a importância do processo denominado stásis.

Inicialmente o sistema político em Atenas era uma monarquia em que os chefes tribais (Eupátridas) elegiam entre si, um rei militar (Basileu) que detinha “toda a responsabilidade pelas decisões tomadas, acumulando as funções de chefe militar, político e religioso” (VAN ACKER, Maria Teresa Vianna). Os que restavam compunham um conselho consultivo do rei. A população não tinha o direito de intervir nas decisões podendo apenas assistir os debates do conselho se informando das novas diretrizes.

O sistema monárquico foi substituído por uma aristocracia formada por “magistrados eleitos pela nobreza de sangue entre seus próprios membros” (CARDOSO, Ciro F). Isso significa que o Conselho (areópago), que antes era consultivo do rei, assumiu as suas atribuições exercendo um governo, ao mesmo tempo, dos poucos (oligarquia) e dos melhores (aristocracia). A partir disso, dentro do areópago, são eleitos três arcontes, cada um com suas funções definidas sendo um para política, um para religiosa e outro para a militar. Mais tarde foram agregados ao arcontado mais seis magistrados, os tesmótetas, com a função de decidir questões de importância para a pólis.

No fim do período arcaico Atenas passou por uma “crise social e política” (CARDOSO, Ciro) chamada stásis. Essa crise é de extrema importância para compreendemos a democracia ateniense, pois nesse período se destacam vários eventos que levaram a sociedade a adquirir diversas características fundamentais para constituição deste sistema. Norberto Guarinello demonstra que a stásis foi constituída por processos diversos, cada um ocorrendo em seu próprio tempo e que as suas conseqüências levaram a “quebra do exclusivismo aristocrático e abertura do espaço político que consolidou a existência das cidades como comunidades coesas” (GUARINELLO, Norberto). Os conflitos sociais em torno dessa crise, segundo Guarinello, eram a respeito de uma maior participação política e a “distribuição ou redistribuição dos recursos comunitários” (GUARINELLO, Norberto).

De acordo Ciro Cardoso o ponto inicial dessa crise é uma combinação de dois fatores, o aumento demográfico e a monopolização das terras pela aristocracia (eupátridas) que levou a uma crise agrária e sucessivamente o aumento da pobreza. A solução encontrada pela Pólis foi a colonização de outros territórios, como forma de canalizar esse enorme contingente de marginalizados para fora da cidade , de conquistar novas terras, encontrar outras áreas para o cultivo e a busca por recursos naturais (como o ferro, por exemplo). Essa medida trouxe transformações consideráveis para a economia, pois Atenas conseguia suprir o abastecimento de cereais e diversas outras matérias primas que não produzia. A colonização resultou em um aumento considerável do comercio (principalmente de: cereais das colônias e vinho, azeite e cerâmica em Atenas), das oficinas de manufaturas, do artesanato e do transporte. Além disso, houve um grande desenvolvimento tecnológico, um forte processo de urbanização e a “multiplicação das póleis helênicas” (CARDOSO, Ciro) na região do mediterrâneo. Devido a esses fatores, surge um novo padrão de riqueza (mobiliária) possibilitando a ascensão de novos ricos que, através da união (casamentos e alianças) com a velha aristocracia passaram a ter a chance de reivindicar uma maior participação política.

Norberto Guarinello fala sobre a importância da guerra para as cidades-estado que eram “comunidades guerreiras, organizadas para guerra, em luta permanente com seus vizinhos próximos ou distantes” (GUARINELLO, Norberto). Nos tempos mais remotos da civilização grega as guerras poderiam ser resolvidas em lutas individuais entre dois líderes militares. Com a chamada revolução hoplítica mudanças importantes aconteceram no âmbito militar. Foram formados exércitos de infantaria com diversos homens agrupados em formação de batalha. Devido a diversos fatores, mas principalmente o aumento do número de guerras no período de colonização e o desenvolvimento de novas tecnologias, o exército que antes era restrito aos eupátridas passa a recrutar pessoas de outras classes. Apesar de aumentar a participação da população, “para adquirir o armamento de um hoplíta era preciso ser pelo menos um camponês médio, com alguma renda” (CARDOSO, Ciro), ou seja, o recruta deveria ter condições de comprar pelo menos uma lança e um escudo, pois o exército não oferecia o equipamento militar. Isso acarretou em uma maior participação popular na política devido a posição de status que os militares tinham, principalmente porque a guerra havia se tornado um negócio fundamental para a manutenção da pólis.

Todos esses processos decorrentes da stásis levaram, de modo geral, a uma maior participação social, “daqueles grupos que não eram dotados de Areté” (CEDRO, Marcelo), na política. Areté é um termo complexo que da origem a palavra Aristocracia, simbolizava o valor, a capacidade, a moral, a coragem, a superioridade “e outras condições intrínsecas ao homem que o faziam ser invulgar” (CEDRO, Marcelo). Com a ascensão desses novos grupos, o aumento das interações com outras cidades do mediterrâneo e do poder econômico da nova aristocracia, iniciaram-se várias reivindicações que pressionaram as classes dominantes a tomar atitudes que amenizassem os “problemas e o caos político que Atenas mergulhava”. (CEDRO, Marcelo). Segundo Ciro Cardoso, a crise social foi resolvida apenas parcialmente o que abriu a “possibilidade do surgimento de um regime político peculiar: a tirania” (CARDOSO, Ciro). É importante ressaltar que o sentido da tirania antiga é diferente do moderno em que o termo passa a ser usado de forma pejorativa. Neste período, surgiram diversos lideres que chegaram ao poder através de políticas populares e também, do uso da força. Eram os tiranos, “magistrados eleitos…” que exerceram um “… governo de tipo pessoal e ilegal…” e “… sua legitimidade e sua base social vinham do fato de proteger os populares contra a classe dominante” (CARDOSO, Ciro) através de reformas. O que merece maior destaque nesse texto são essas reformas que eles (Drácon, Sólon, Psístrato e Clístenes) fizeram. Alguns exemplos são: admissão dos hoplítas a cidadania, fim da escravidão por dívidas, sistema censitário em quatro classes (ampliação da participação política, pelo poderio econômico), transcrição da Ilíada e da Odisséia, terras confiscadas de aristocratas e redistribuídas para a população, a compra dos cidadãos que foram escravizados por dividas e a devolução de sua cidadania e de suas terras, além diversas outras que em determinada medida tenderam a favorecer a maioria da população (CEDRO, Marcelo). Também foram criados diversos órgãos públicos como a Boulé (um 2º conselho, paralelo ao areópago), a Helíae (Tribunal de justiça Popular). Ciro Cardoso explica que através de todas essas reformas, ocorridas por várias décadas, instituiu-se a democracia.

Portanto percebemos que a política em Atenas não foi algo estático, pelo contrario, foi um longo processo de transformações em que os fatores políticos sociais e econômicos são indissociáveis e que os acontecimentos que envolveram a stásis foram fundamentais para a mudança da pólis aristocrática para uma cidade-estado democrática.

Referências bibliográficas

GUARINELLO, Norberto (2003), “Cidades-Estado na Antiguidade Clássica”, in PINSKY, Jaime, História da cidadania, SP: Contexto, pp.29-42.

CARDOSO, Ciro Flamarion (1993), “A cidade-Estado antiga, 4ª ed., São Paulo: Ática (Série princípios), pp.17-56.

ARAÚJO, Natália R. R. (2003), “Grécia: cultura política, democracia e direito” in Revista da FADIVALE, pp.229-251.

VAN ACKER, Maria Teresa Vianna (1994), “Grécia: a vida cotidiana na cidade-Estado”, São Paulo: Atual pp.10-14

CEDRO, Marcelo (2008). “Origem e apogeu da cidade-estado grega(pólis)”

FINLEY, Moses I. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988.


Fonte: História Magister Vitae