15.6.10

Como as penas ajudam a contar a história dos dinossauros? Novas descobertas de fósseis revelam que a evolução dessas estruturas – que não são exclusiv

Por: Alexander Kellner

Que penas!

Representação artística dos oviraptorossauros ‘Similicaudipteryx’ recém-descobertos na China. As estruturas preservadas nos fósseis sugerem que essa espécie teria ao menos duas mudas de penas ao longo de seu desenvolvimento (arte: Xing Lida e Song Qijin).

Descobertas paleontológicas recentes têm surpreendido tanto o público geral quanto os pesquisadores da área. Foram encontrados em alguns fósseis de dinossauros – que não voavam – penas bem diferentes das que encontramos nas aves hoje em dia. Esses achados podem mudar o que sabemos sobre essas estruturas.

Uma dessas descobertas foi publicada na PNAS pela equipe de Uwe Bergmann, do laboratório de radiação síncrotron de Stanford, na Califórnia (EUA). A base para o artigo foi o exemplar de Archaeopteryx, que está no Centro de Dinossauros de Wyoming, nos Estados Unidos. Essa ave é tida como uma das mais primitivas que existiram.

Análise química de Archaeopteryx
A imagem mostra o resultado de uma análise química inédita de um fóssil de 'Archaeopteryx' feita com radiação síncrotron (as cores representam diferentes elementos químicos retidos nos tecidos moles). Os resultados mostram que as penas estavam de fato preservadas no fóssil e não eram apenas impressões registradas na rocha, como se acreditava antes (foto: W.I. Sellers / Stanford Synchrotron Radiation Lightsource).

Os pesquisadores empregaram equipamentos de última geração para a análise química dos fósseis e puderam determinar que as penas preservadas nesse exemplar não eram somente impressões, como se supunha.

Além das marcas que permaneceram indicando a sua existência passada, havia ainda material modificado da estrutura original. Ou seja, existia matéria onde se viam as penas, e tratava-se de algo com uma composição bem diferente da rocha onde o esqueleto está preservado. E isso em um fóssil de 160 milhões de anos!

Pelo que consta, esta é a primeira vez que uma análise química tão detalhada é feita em um exemplar de ave primitiva. Além da importância dos resultados, o trabalho de Bergmann e colegas abre a perspectiva para o emprego de técnicas e equipamentos sofisticados para entender o grau de preservação de tecidos ‘moles’.

O paleontólogo moderno não fica apenas debruçado sobre fósseis empoeirados

Com essas técnicas, deve ser possível, no futuro, encontrar detalhes de estruturas que nem sequer se sabia estarem lá – e não apenas em aves primitivas. Novamente, uma demonstração de que o paleontólogo moderno não fica apenas debruçado sobre fósseis empoeirados...

Penas da China

Sensacional também foi o achado feito – mais uma vez – em terrenos chineses. Comojá mencionado em diversas colunas anteriores, a região de Liaoning, na China – mais especificamente, os depósitos de 125 milhões de anos denominados Formação Yixian – continua surpreendendo pela excepcional qualidade de preservação dos seus fósseis.

Fóssil de Similicaudipteryx
Esqueleto praticamente completo de um espécime jovem de 'Similicaudipteryx' encontrado na região de Liaoning, na China. O fóssil chama a atenção pela estrutura de pena em bom estado de preservação (foto: Zheng Xiaoting).

Desta vez, foram encontrados dois exemplares de um dinossauro chamado deSimilicaudipteryx – um oviraptorossauro descrito em 2008. A equipe coordenada por Xing Xu,do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia de Pequim, concluiu, com base no grau de fusão de seus ossos, que os novos fósseis representam dois indivíduos juvenis. O menor, com um fêmur de 38 mm, seria bem jovem; o maior, com fêmur de 140 mm, já seria, digamos, um ‘adolescente’, prestes a virar adulto.

As penas ganharam novas funções à medida que evoluíram

Ambos possuem estruturas preservadas em diferentes partes do corpo que podem ser identificadas como penas, apesar de diferirem em sua construção. Na forma mais jovem e de menor tamanho, as penas têm um aspecto mais compacto, pouco ramificado e com largas bandas (onde se imaginaria ver as barbas).

Já as do indivíduo mais velho e maior lembram plumas, e são mais ramificadas. A diferença na forma das penas sugere que o Similicaudipteryx teria pelo menos duas mudas de penas ao longo de seu desenvolvimento.

Aproveitando esses novos exemplares, Xu e seus colegas reviram tudo o que se conhecia sobre penas fossilizadas e chegaram à conclusão de que, no passado, existiram diversos tipos que não são encontradas nas aves atuais. Essa variedade incluía desde estruturas mais simples até algumas mais complexas. Não é à toa que o estudo acaba de ser publicado na Nature e teve repercussão mundial.

Penas de Archaeopteryx
Detalhe das penas de 'Archaeopteryx' do exemplar depositado no Museu de História Natural de Berlim, Alemanha. Essa ave primitiva não voava: acredita-se que as penas se modificaram com o tempo para auxiliar no voo.

Pena ancestral

Baseando-se nessas novas descobertas, a hipótese mais aceita para a evolução das penas defende que, em dado momento, um dinossauro desenvolveu uma estrutura bem simples, filamentosa, que seria a ‘ancestral’ de todas as penas. Essa estrutura foi se modificando, tornando-se mais espessa e ganhando ramificações, até chegar às penas das aves atuais.

À medida que evoluíram, as penas ganharam novas funções. Inicialmente, acredita-se que essas estruturas tenham servido para diferenciar uma espécie da outra e desempenhado papel de isolamento térmico, ajudando o organismo a reter calor. Com o tempo, porém, a estrutura se modificou para auxiliar no voo.

As penas ganharam novas funções à medida que evoluíram

Mas é importante frisar que os principais tipos de penas encontrados em aves recentes também estão presentes em aves primitivas, assim como em alguns dinossauros. Até no Brasil já foram encontradas penas fossilizadas, algumas mostrando um padrão de cor.

De qualquer forma, ainda faltam pedaços para completar esse enorme quebra-cabeças. Porém, com descobertas como as que estão sendo feitas na China e Alemanha (e também no Brasil), os pesquisadores vão aprendendo um pouco mais sobre como os dinossauros aprenderam a voar.

Penas, para que te quero?

Pena da chapada do Araripe
Pena fóssil encontrada na chapada do Araripe, no Nordeste brasileiro, em rochas com 115 milhões de anos. O bandeamento de uma parte mais clara e outra mais escura é um sinal de que desde cedo as aves possuíam penas coloridas.
Quando falamos em ‘penas’, a maioria das pessoas não tem dúvida do que queremos dizer: são estruturas que revestem o corpo das aves. Basta olhar para um tucano, um sabiá ou mesmo uma galinha.

A forma de uma pena padrão também não causa muito espanto. Ela é composta por uma base oca, chamada de cálamo – trata-se da região em que a pena se conecta com a pele da ave. De lá sai a raque, o eixo central que dá origem a ramificações laterais, as barbas. Estas, por sua vez, possuem pequenas ramificações – as bárbulas.

Em se tratando de diversidade dessas estruturas, porém, a surpresa pode ser maior. Isso porque, dependendo da posição e da função, as penas podem assumir formas bem diferentes, todas elas bem distintas umas das outras.


Alexander Kellner
Museu Nacional/ UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

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