3.9.10

As Regências e o Segundo Império no Brasil

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

A abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, em favor de seu filho, o menor D. Pedro de Alcântara, causou e foi causada por forte pressão, principalmente dos insatisfeitos, muitos das classes dominantes – grandes proprietários dos latifúndios, portanto, donos de terra e escravos; aí deu-se a crise. Eles davam como razão o fato de que as Regências não podiam dissolver o Legislativo.

No Brasil das Regências, os liberais eram uma das forças políticas e sociais que combateram os excessos de autoridade do Primeiro Reinado, opondo-se à Constituição de 1824. Os moderados tornaram-se muito importantes nesse período; de entre eles saíram membros da elite dirigente, reunidos em torno da Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional, composta por grandes proprietários de escravos de São Paulo e Minas Gerais que controlavam o abastecimento da Corte. Coesos, dirigiam o Império com hegemonia política no Rio de Janeiro.

Ocorreram então lutas políticas entre os moderados e os exaltados. Os liberais moderados estavam no poder, eram centralistas e queriam o modelo unitarista de governo do sudeste; embora fossem adeptos de relativa autonomia política para as províncias, defendiam a monarquia centralizada e buscavam o equilíbrio entre Legislativo e Executivo.

Do outro lado estavam os exaltados: fora do poder, federalistas, sempre do nordeste, ou seja, fora do eixo das decisões econômicas. Heterogêneos, suas bases sociais, tanto no setor exportador quanto no não-exportador, localizavam-se fora do eixo Rio/São Paulo/Minas Gerais. Aceitavam a monarquia descentralizada e possuíam interesses diversificados no Império. Compartilhavam objetivos como a eliminação do Poder Moderador, do senado vitalício e do Conselho de Estado e a concessão de maior poder para as províncias. Queriam uma república federalista, com direito de voto e fim da escravidão. Sua base era maior no setor urbano, com pequenos e médios comerciantes, funcionários públicos, profissionais liberais.

Também na oposição estavam os Caramurus, os chamados restauradores, que desejavam uma monarquia centralista, nos moldes da Carta de 1824. Almejavam o retorno de D. Pedro I, sonho que perdurou ate 1834 (pela razão mais óbvia: o falecimento do primeiro imperador). Reunidos em torno da Sociedade Conservadora, eram um grupo político mais coeso, com número reduzido de adeptos, com base na burocracia e nos comerciantes, nos grandes negócios de exportação e de importação – inclusive o tráfico africano; detinham privilégios no comércio de cabotagem que abastecia as cidades da costa. Contavam com a simpatia de alguns cafeicultores do Vale do Paraíba.

A Regência estava, assim, marcada pelo agravamento de manifestações e revoltas, caracterizadas por ampla diversidade social e política. Quarteladas lusófobas, confrontos entre facções locais ou regionais da classe senhorial, rebeliões com envolvimento de pobres, libertos e escravos – inclusive os que estavam em quilombos.

A ênfase no viés descentralizador das reformas reduziu erroneamente os embates à simples disputa centralização X descentralização, que fazia o mundo do governo. A liberdade e a propriedade eram atributos da cidadania ativa no Império.

Aconteceram no período várias movimentações nas províncias, especialmente motivadas pelos liberais exaltados. No Rio de Janeiro, ocorreram vários choques de rua contra os chamados restauradores ou Caramurus. A imprensa dos moderados era representada pelos periódicos Aurora Fluminense, de orientação de Evaristo da Veiga; e O sete de abril, de Bernardo Pereira de Vasconcelos.

Na Regência Trina Provisória de 17 de junho de 1831, tivemos a lei que promoveu a privação dos regentes a importantes atribuições do Poder Moderador, como dissolver a Câmara dos Deputados, conceder títulos nobiliárquicos, suspender as garantias constitucionais e negociar tratados com governos estrangeiros.

Contudo, apesar de manter a monarquia centralizada, a lei pressupunha um Legislativo forte, assegurando à Câmara dos Deputados o controle sobre o Poder Executivo. Foi criada a Guarda Nacional (em agosto de 1831), mantida a ordem dos cidadãos ativos e a introdução do critério eletivo para a escolha de oficiais de baixa patente. No mesmo sentido, foi promulgado o Código de Processo Criminal de 1832, ampliadas as atribuições do cargo de juiz de paz e dos magistrados locais eleitos, assegurando o controle jurídico-policial ao âmbito local.

Com o propósito de compatibilizar os poderes central e local, foi assegurada a unidade da ordem, com medidas que atendiam às demandas de autonomia, o que representava interesse o local ou regional.

Fora dos espaços institucionalizados da política, a oposição ameaçava usando a imprensa, os pasquins e os panfletos, os movimentos de rua e outros. As dificuldades multiplicaram-se, com o crescimento das divisões no interior do grupo moderado.

O golpe de Estado parlamentar de junho de 1832 foi o resultado das práticas por moderados, sob a liderança de Diogo Feijó, ministro da Justiça, que pretendia transformar a Câmara em assembleia constituinte, para aprovar uma nova constituição. Eram sinais da primeira cisão.

Pelas pressões dos liberais exaltados e das divisões moderadas, ocorreu a reforma do texto constitucional, pelo Ato de 1834, que criou também o Município Neutro, dando novo status à cidade do Rio Janeiro; esse Ato transformou os conselhos gerais das províncias em assembleias provinciais, mas não feriu a centralização política. Os presidentes de províncias foram nomeados e mantidos pelos moderados. No Senado Vitalício, majoritário na Câmara, os liberais moderados tiveram que ceder às constantes pressões dos deputados e senadores exaltados ou restauradores.

A Regência passou a ser una e eletiva, de 4 anos, com o fim do Conselho de Estado. Iniciou-se então o embate entre Vasconcelos, do Partido Regressista, e o regente Feijó, do Partido Progressista, o que levou a uma divisão entre os moderados.

Em 1835, ocorreram as eleições para o cargo de regente uno. Holanda Cavalcanti obteve 2.251 votos; foi derrotado por Feijó, que teve 2.826 e tomou posse em 12 de outubro. Antes de concluir o mandato, começou a crise, que eclodiu na Guerra dos Cabanos, no Grão-Pará; na Farroupilha, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre 1835 a 1845; na Revolta dos Malês, em Salvador, em 1835; na Sabinada, em Salvador, entre 1837 e 1838, determinando a divisão dos liberais em progressistas e regressistas.

Em novembro de 1837, Feijó renunciou ao poder; com a subida de Araújo Lima, em abril do ano seguinte, foram vitoriosos os defensores do restabelecimento da organização do Império nos moldes da Carta de 1824. Estava inaugurado o regresso. Os exaltados alinharam-se aos progressistas, futuros integrantes do Partido Liberal, antigos restauradores, e consolidavam-se as bases sociais do Partido Conservador e a denominada Vitória Saquarema, designação dada ao grupo de conservadores fluminenses, de setores da burocracia, de grandes negociantes, de importadores, exportadores e detentores de privilégios e de cafeicultores escravistas do Vale do Paraíba. Araújo Lima venceu a Cabanagem e a Farroupilha; lutou contra a Sabinada na Bahia e a Balaiada, no Maranhão.

Em 1840, D. Pedro II assumiu o Poder (Moderador), pela Lei Interpretativa do Ato Adicional de 12 de maio daquele ano; essa lei anulava várias atribuições das assembleias, restringindo a autonomia das províncias onde se notava a presença clara de federalismo, com o propósito de aplacar o insistente localismo do poder provincial; ou seja, venceu o projeto centralizador. Para isso, entrou também a Guarda Nacional (embrião da polícia), criada em 1831 graças ao poder dos moderados (Feijó), com o propósito de manter a ordem interna. A construção do Estado foi, portanto consolidada em 1840, vencendo os outros projetos políticos que havia e reprimindo as revoltas herdadas.

O período regencial representou um verdadeiro hiato em tudo, pois, em primeiro lugar, representava uma experiência positiva, que interrompeu o autoritarismo centralizador do Primeiro Reinado e seria recuperada pelo movimento republicano dos anos 1870. Em segundo lugar, representava uma experiência anárquica, pois era um obstáculo ao andamento natural da revolução, iniciada com a emancipação política de 1822, que seria resgatada com a vitória do regresso. Assim, esse período deve ser visto como parte do complicado processo de construção do Brasil.

Da maioridade de Pedro II em diante

Com a decretação da maioridade de Pedro II, veio a consolidação da Monarquia e o fim da experiência republicana (de eleições), que foi o período regencial. Em 24 de julho de 1840 surgiu um ministério de liberais. O Barão de Caxias pacificou o Maranhão. Aconteceram as chamadas Eleições do Cacete, por pressão do governo. Em 1841, um ministério conservador assumiu o poder. Em 1842 deu-se a Revolta dos Liberais, em São Paulo e Minas, lideradas por Diogo Feijó e Teófilo Otoni.

Já era de se verificar o grau de complexidade político-ideológica que o país vivenciava: o liberalismo em crise, a antítese dele (o socialismo) ganhando espaço no mundo; tudo isso se chocando com nosso modelo socioeconômico conservador, unitário e escravista; estávamos definitivamente na “contramão da História”. Em 1847 houve a criação do cargo de presidente do Conselho de Ministros, do gabinete. Foi a estruturação do regime parlamentar no Brasil.

De 1848 a 1850 ocorreu a Revolta Praieira, contra os conservadores que voltavam ao poder. Os pernambucanos, nativistas, ficaram contra os comerciantes portugueses, mas sua revolta foi sufocada. O conturbado e esgotado modelo político apelou para o bipartidarismo com liberais e conservadores, estes ex-regressistas. Segundo os trabalhos que falam da evolução do Direito Político brasileiro, esse regime não constava na Carta de 1824. De 1840 a 1889, praticou-se internamente o liberalismo econômico e o liberalismo político, mas, contraditoriamente, o parlamentarismo expôs um Executivo forte, com o dever de garantir a maioria na Câmara dos Deputados.

Nos tempos do Segundo Reinado, é fundamental destacar a figura de Irineu Evangelista de Souza, Barão e depois Visconde de Mauá. Foi ele que tomou a iniciativa de tentar industrializar o Brasil entre 1846 e 1875, com experiências que foram abortadas para continuar a velha economia latifundiária, escravista e monocultora. Em 1844, surgiram as tarifas Alves Branco, todas de caráter protecionista e de fiscalização; a Lei 581, de 4 de agosto de 1850, que extinguiu o tráfico de africanos, era sinal das pressões inglesas do Bill Aberdeen; Mauá começa a vislumbrar nesse momento capital disponível para suas intenções, deslocado das transações do latifúndio e do latifundiário com o comércio de africanos escravizados; era a possibilidade de convertê-los para alimentar as forças produtivas do Brasil.

Foram feitos os Estaleiros da Ponta da Areia, a Companhia de Rebocadores a Vapor para o Rio Grande do Sul; foi organizado o segundo Banco do Brasil, em 1851; criou-se a Companhia de Navegação a Vapor do Amazonas, em 1852; surgiu o Banco Mauá e Cia.; foi construída a primeira estrada de ferro brasileira, que se chamou Mauá, até Raiz da Serra, em 1854; nesse mesmo ano foi inaugurada a iluminação a gás de um trecho do Canal do Mangue; o Brasil ligou-se à Europa pelo cabo submarino que veiculava o telégrafo. De fato, foram expressivas as conquistas no campo tecnológico, considerando que vivíamos a reboque de interesses que queriam nos manter em condição de inferioridade e que enfrentávamos imensas dificuldades socioculturais e econômicas para nos compararmos aos países mais desenvolvidos da época.

Entretanto, é importante registrar também que pouco mudava, pois o país continuava escravista, autoritário e segregacionista ao extremo, enquanto o mundo à sua volta fervia em mudanças significativas no aspecto político-econômico. Nós estávamos insistentemente parados, ou quase; talvez houvesse uma sensação de estarmos praticamente estagnados, aos olhares do mundo dito desenvolvido; em que pesem as várias e louváveis tentativas, infelizmente não caminhávamos. Talvez – para não dizer certamente – as mudanças afetassem nosso modo de vida profundamente, e o que menos se desejava era que o status quo sofresse alterações, já que se espelhava no mundo desenvolvido.

Nosso país insistia em uma convivência teimosa, na manutenção de uma velha mesmice, que era fruto também de conjunções primordialmente internas, que reagiam para manter uma cansada e velha mimese malfeita, porque já extemporânea, caso queiramos comparar com o movimento global e seus reflexos na dança da nova relação localismo global vs. globalismo local (Cortezão, 2006) que se anunciava: ensaiava seus tímidos primeiros passos também por aqui.

No Brasil, como em toda a América Latina, poderia ser notado o latejar de manifestações significativas, que permitiam perceber que havia certa consonância – ou talvez ressonância – aqui no continente, na qual os ares do movimento liberal, seguido de sua múltipla revolução socioeconômica, com tonalidades variadas, se reverberavam, pululavam sempre. Eram maneiras novas de gerenciar o capital; havia chegado a hora da mudança. Mas a vagarosidade era de causar espanto.

Faltavam muitas outras conquistas. Entretanto, sem dúvida evoluíamos. A questão central é saber para quem, se os beneficiários diretos foram os latifundiários!

Fonte: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/index.htm