15.12.10

A História do Pão

Um alimento milenar convivendo
entre o sagrado e o profano


Das douradas espigas
do trigo nasce o pão

Em Roma ele era dado de graça ao povo pelos governantes como uma das estratégias para conseguir manter o domínio político sobre o maior império da Antiguidade. Há dois milênios, segundo a tradição da religião cristã, Jesus deu um pedaço dele a cada apóstolo durante sua última refeição antes de ser crucificado e disse, de modo simbólico: "Comam, esse é o meu corpo".
No final do século 18, a falta dele e a infeliz tirada da rainha Maria Antonieta, que supostamente teria sugerido aos franceses famintos trocarem-no por caros brioches, ajudaram a fazer eclodir a Revolução Francesa, uma das revoltas mais sangrentas de que há registro.


O nosso pão de cada dia

O pão, além de coadjuvante na História da humanidade, é um componente fundamental na alimentação por ser rica fonte de carboidratos, responsáveis por dar ao corpo a energia necessária para o funcionamento das células. Tanto é que a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO, na sigla em inglês) recomenda a cada pessoa comer no mínimo 50 quilos por ano. A Organização Mundial da Saúde vai além, indicando um consumo de 60 quilos, ou uma porção diária de pelo menos três pãezinhos franceses, ou cacetinhos, nomes pelos quais é conhecido o tipo mais vendido no Brasil.
A nutricionista Sueli Rosa Gama afirma que entre 40% e 60% dos nutrientes existentes nos pães são carboidratos e, por isso, os números da OMS estão corretos "Essa é a fonte de energia mais rápida que existe para o homem, essencial para evitar distúrbios alimentares e fadiga física e mental", ressalta a especialista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
O alimento complementa ainda a dose diária de lipídios e proteínas de que o organismo necessita, além de ser rico em sódio, cálcio, fósforo e potássio.
Independentemente dos números, o fato é que o consumo ainda é pequeno no país, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Panificação.
Ninguém sabe ao certo onde o pão surgiu, mas sua invenção está intimamente relacionada ao momento em que o homem descobriu como cultivar e preservar o trigo, porque é com a farinha dele que se produz o melhor tipo de massa capaz de fermentar. A maioria dos pesquisadores acredita que o primeiro pão fermentado surgiu há cerca de 6 mil anos no Egito, onde já se sabia como controlar o processo graças à fabricação da cerveja.
O verdadeiro berço, porém, pode ter sido a Etiópia, local mais provável para o desenvolvimento das primeiras espécies de trigo, segundo pesquisas realizadas no século passado pelo botânico russo Nicolaí Vavilov. Só depois de alguns séculos é que uma variedade ainda rústica do trigo–diferente da cultivada hoje – chegou aos férteis vales do rio Nilo e permitiu aos súditos dos faraós descobrir um alimento nutritivo, leve e saboroso.


Revolução francesa

O pão aparece no relato de um dos eventos mais importantes da História da religião hebraica, a fuga do povo hebreu, guiado por Moisés, do Egito. Segundo a tradição, não houve tempo para esperar a fermentação, dando assim origem a um alimento de formato achatado. É esse o chamado pão ázimo, comido na celebração da Páscoa judaica (Pessach), quando se lembra da libertação do povo que era escravo no Egito.
Entre os egípcios, o pão era um dos traços culturais e de união do império, e os romanos assimilaram esse aspecto quando chegaram à África. Era comum, por exemplo, distribuírem pão entre os soldados, como complemento do soldo. Esse costume se estendeu até a Idade Média.


O pão ázimo

Na antiguidade, os padeiros tinham status de funcionários da Corte. Os imperadores romanos passaram a agregar os panificadores ao corpo de funcionários públicos, de modo a garantir uma produção regular destinada à população. Associando a distribuição gratuita a espetáculos sangrentos de duelo entre gladiadores, o governo criou a política de "pão e circo" que ajudou a diminuir tensões sociais e ambições partidárias de mudança do status quo.



No coliseu, alimento e sangue. O pão e o circo

Após a queda do Império Romano, a fabricação de pães voltou a ser urna tarefa doméstica, cercada de dificuldades. O uso dos fornos e moinhos de tração animal para a produção de farinha era regulado pelos senhores feudais, e a maioria da população comia pães sem fermentação, achatados, parecidos com o pão ázimo. No século 16, o crescimento da economia da França permitiu ao país introduzir métodos mais modernos e alcançar a primazia mundial.
As primeiras sementes de trigo aportaram no continente americano junto com as caravelas capitaneadas por Cristóvão Colombo. Introduzidos no México por volta de 1500, os grãos foram levados ao Arizona e à Califórnia por missionários religiosos. No Brasil, chegaram logo à capitania de São Vicente e foram cultivados depois também em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Maranhão. Impulsionada pelas técnicas de cultivo de colonos açorianos, a cultura se fortalece no país, que foi o primeiro da América a exportar trigo para a Europa. No século 18, boa parte do que era consumido em Portugal provinha de terras brasileiras.



Nas caravelas de Colombo, as primeiras
sementes de trigo no continente americano

No Brasil é também uma questão cultural. No nordeste, a farinha de mandioca está mais ligada aos costumes locais e é bastante utilizada em substituição ao trigo. O aumento da renda das classes mais baixas tem causado elevação do consumo de pão, mas é preciso fazer campanhas educativas e incentivar a compra nas padarias, destaca o presidente da Associação Brasileira da Indústria da Panificação, Alexandre Pereira Silva.
Os números ajudam a corroborar a tese de que, nos estados em que a colonização de origem portuguesa, italiana e alemã foi mais influente, o consumo é mais elevado. Em São Paulo, região em que a colônia italiana e a portuguesa se fazem mais presentes, estão 12 mil das 52 mil padarias existentes no Brasil – o sudeste concentra quase 43% dos estabelecimentos do país. Na capital paulista são consumidos 15 milhões de pãezinhos diariamente.
O antropólo Gilberto Freyre, em seu livro Casa-Grande e Senzala, já argumentava que o pão no Brasil era artigo raro e de luxo até o século 19 e, por isso, a mandioca e sua farinha, fabricada ainda hoje em cidades do interior com a mesma técnica dos índios, se constituíram como a base da alimentação brasileira. O biju de tapioca e o pirão de farinha de farinha de mandioca eram os alimentos mais comuns no Brasil há apenas 2 séculos.

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