13.12.10

História dos Açores

A história dos Açores reconta quase 600 anos de presença humana continuada em suas nove ilhas. Os Açores já granjearam um lugar importante na história portuguesa e na história do Atlântico. Embora seja difícil resumir a história dos Açores, os pontos seguintes, adoptando, com as necessárias adaptações e prolongamento no tempo, as "épocas" da obra de Francisco Ferreira Drummond, tentam apontar as suas principais etapas.

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Mapa dos Açores desenhado por Luís Teixeira, cosmógrafo real (1584).
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Uma Introdução
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Com a Idade Média europeia, e com o desabar do mundo clássico e a consequente perda dos antigos contactos comerciais que a caracterizaram, o conhecimento da existência de terras a oeste da Europa continental foi progressivamente relegado para o reino do mito. As múltiplas lendas medievais da Atlântida, das Sete Cidades, das terras de São Brandão, das ilhas Afortunadas, da ilha do Brasil, da Antília, das Ilhas Azuis, da Terra dos Bacalhaus, e de muitas outras terras perdidas no mar oceano ocidental, são manifestações desse conhecimento difuso, cheio de incerteza, mas ao mesmo tempo persistente e ubíquo, que as sociedades medievais tinham da existência de algo para além do horizonte das praias atlânticas.

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Lagoa da Sete Cidades


Na última metade do século XIV, com o início dos movimentos intelectuais e tecnológicos que pressagiavam o Renascimento, começam a surgir múltiplos roteiros e cartas de marear onde aparecem, em posições e com configurações mais ou menos fantasiosas, muitas dessas ilhas e terras. Nessa época, o retomar dos contactos comerciais e das navegações entre o Mediterrâneo e o Atlântico, nomeadamente as navegações genovesas, florentinas e venezianas, bem como o surgimento de melhores embarcações e de um crescente fervor prosélito no sentido de levar o cristianismo para fora da Europa, foram progressivamente expandindo os horizontes europeus e recriando antigas ligações.

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Com este movimento de expansão, onde de forma crescente Portugal tomava parte, graças à sua localização geográfica e à crescente maestria nas artes da construção naval e da navegação oceânica, naturalmente a procura das ilhas do mar ocidental rapidamente se tornou prioritária. Neste contexto, o empenho do Infante D. Henrique na expansão atlântica, assumindo o papel de grande mecenas e de coordenador do esforço de exploração, contribuiu de forma decisiva para colocar Portugal na vanguarda do povoamento das terras atlânticas.
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As ilhas atlânticas mais próximas da Península Ibérica (Açores, Canárias e Madeira), que hoje são colectivamente designadas por Macaronésia, designação com raízes nas míticas ilhas Afortunadas, foram desde sempre encaradas como uma unidade geográfica, o que se traduz numa historiografia comum e num povoamento onde as mesmas famílias aparecem em todos os arquipélagos (os Bettencourt, os Câmara, os Álamo, os Baldaia, e muitos outros). É disso também exemplo a obra seminal da historiografia insular, as Saudades da Terra, do açoriano Gaspar Frutuoso, que trata igualmente da história dos três arquipélagos.

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As primeiras ilhas a receberem menção oficial (1291) foram as ilhas Afortunadas, talvez por serem as únicas habitadas na periferia europeia, agora denominadas as Canárias (terra dos cães) graças à abundância de cães que alegadamente uma expedição enviada pelo rei Juba II da Mauritânia (século I) ali terá encontrado.

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Jean de Bettencourt

Em 1402, Jean de Bettencourt e Gadifer de la Salle, normandos ao serviço de Castela, iniciam a subjugação das suas populações guanche, num processo de genocídio que apenas se completou 94 anos depois, com a conquista das últimas populações de Tenerife em 1496.
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Expedição Normanda ás Canárias

Segue-se uma disputa entre Castela e Portugal sobre a sua soberania das ilhas, que acaba, por arbitragem papal, por ser decidida a favor de Castela, posse reconhecida em definitivo por D. Afonso V de Portugal no Tratado das Alcáçovas (ratificado por Castela a 6 de Março de 1480), que pôs termo à Guerra da Sucessão de Castela.


Em rápida sucessão, surgem depois as menções às ilhas da Madeira e Porto Santo (1418), logo ocupadas pela parte portuguesa, e finalmente os primeiros contactos portugueses com os Açores (1427).


Sobre a primazia do descobrimento português dos Açores muito se tem escrito, muitas vezes com uma paixão nacionalista que tende a obscurecer a verdade histórica. Se é hoje facto assente que os Açores não eram habitados aquando das primeiras visitas portuguesas, um corpo crescente de factos indicia que a existência das ilhas já era conhecida (ou pelo menos suspeitada). Antes de mais, na própria linguagem do cronista, o Infante D. Henrique mandou achar as ilhas. Ora não semanda achar aquilo cuja existência se ignora.

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Também as referências coevas a uma estátua equestre em pedra que estaria na ilha do Corvo, as moedas cartaginesas e cirenaicas provavelmente encontradas também na ilha do Corvo em pleno século XVIII, e as estranhas inscrições ainda hoje existentes na falésia da costa das Quatro Ribeiras, na Terceira, apesar de nunca aceites pela historiografia oficial, parecem indiciar visitação humana no período anterior ao povoamento. Mas, mais importante que esses incertos indícios, é a presença em toda a cartografia tardo-medieval de ilhas, que, embora com configuração variável e localizações diversas, podem ser, face aos conhecimentos náuticos e de georeferenciação da época, seguramente identificadas com o arquipélago açoriano, o que de forma indesmentível demonstra o conhecimento prévio.

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Costa da Quatro Ribeiras

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Rocha encontrada em Quatro Ribeiras


Outra questão muito debatida é a atribuição do nome Açores ao arquipélago. A explicação clássica atribui o origem à abundância de aves identificadas pelos marinheiros portugueses como pertencentes àquela espécie. Contudo, a única ave de rapina até hoje identificada no arquipélago é o milhafre (Buteo buteo rotschildi), e mesmo assim, aparentemente, uma introdução comparativamente recente, já que a ecologia das ilhas lhes era claramente desfavorável: o milhafre prefere como alimento os pequenos mamíferos, os quais não existiam ao tempo do povoamento (os únicos mamíferos nativos são minúsculos morcegos).

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Mesmo admitindo a presença de milhafres ao tempo da descoberta, subsistindo com uma dieta de aves juvenis (pombos torcazes e aves marinhas), simples considerações ecológicas e de dinâmica das populações tornam difícil aceitar que a sua população fosse tão numerosa a ponto de os destacar no meio das grandes populações de aves marinhas e de pombos torcazes então existentes.


Assim, uma explicação bem mais plausível parece ser o aportuguesamento da designação genovesa ou florentina das míticasilhas azuis. A partir do vocábulo azzurre, ou azzorre, isto é azuis, terá nascido o nome açores hoje usado. De facto, o carregado verde azulado da vegetação nativa dos Açores, que então totalmente recobria as ilhas, fazem-nas parecer azuis, mesmo quando vistas a curta distância.


Mas a utilização de nomes com origem nas ilhas míticas não se ficou pelo nome do arquipélago já que toda a toponímia das ilhas está cheia de referências a eles. Em São Miguel e no Pico existem povoados chamados Sete Cidades (topónimo também existente no Brasil); na Terceira, a península do Monte Brasil (com registo anterior a 1500 e raiz na mítica ilha do O’Brasil, ouBreasil, dos celtas irlandeses) testemunha um nome que antes de chegar ao actual Brasil passou pelos Açores; ou osMosteiros (da tradição brandoniana) que estão presentes na ilha de São Miguel e nas Flores (para além de Cabo Verde).

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Descoberta dos Açores - Navegador Diogo Silves


Contudo, certo é que a partir de meados da década de 1420, por navios capitaneados por Gonçalo Velho Cabral, Diogo de Silves, ou outros, com ou sem conhecimento prévio, os Açores começaram a ser regularmente visitados por expedições lusas. Com início nas ilhas do Grupo Oriental, mais próximas da Europa, prosseguindo pouco depois para o Grupo Central, o reconhecimento das ilhas avançou rapidamente. Todavia, as ilhas mais ocidentais (Flores e Corvo) só depois de 1450 foram pisadas por marinheiros portugueses, quando as restantes ilhas já albergavam uma razoável população residente, pois a sua entrada no domínio lusíada deu-se por mãos de Pedro Vasquez de la Frontera e Diogo de Teive em 1452, no regresso de uma das viagens para o Ocidente à procura das outras ilhas míticas, ou talvez no regresso de uma pescaria na Terra dos Bacalhaus (a actual Terra Nova, Canadá).


As primeiras expedições, para além do reconhecimento das costas e dos locais onde era possível desembarcar com segurança e fazer aguada, também se destinaram a lançar animais domésticos (vacas, ovelhas, cabras, porcos e galinhas) que pudessem ajudar a sustentar uma futura presença humana. No que respeita a São Miguel, há também referência a um grupo de escravos que terá sido deixado na foz da Ribeira da Povoação por meados da década de 1430.


O arranque oficial da colonização deu-se pela ilha de Santa Maria, onde a primeira povoação foi oficialmente fundada, a actual Vila do Porto, na baía onde então desaguavam duas ribeiras de águas cristalinas (hoje apenas uma é perene já que a total desflorestação da ilha alterou o regime hídrico).

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Vila do Porto - Santa Maria


No início da década de 1440 tinham-se formado outras colónias na foz de diversas ribeiras de São Miguel, da Terceira, do Faial e talvez do Pico, sustentando-se da caça (de aves e dos animais domésticos antes libertados) e da pesca. A abundância de lenhas e de água, bem como a fertilidade dos solos vulcânicos, tornavam as ilhas atractivas e fáceis de colonizar, tanto mais que a falta de trigo, que poderia ser facilmente cultivado nas ilhas, era uma constante em Portugal. Também a presença nas rochas costeiras de urzela, um valioso líquen tintureiro, deixava advinhar a viabilidade económica das colónias. Estavam assim lançados os dados que levaram ao rápido povoamento das ilhas açorianas.

Fonte: Enciclopédia