21.1.11

Opus Dei

Fortalecida pelo Papa João Paulo II, a ordem ultraconservadora Opus Dei terá um papel importante na decisão do perfil e do nome do novo pontífice.

Grupo tem dois cardeais de grande influência no Conclave, que começa dia 18, e deve resistir aos que querem maior abertura da Igreja

São Paulo - O fortalecimento das correntes mais conservadoras da Igreja foi uma das principais marcas da gestão de João Paulo II, o que ficou evidenciado tanto na nomeação de cardeais quanto na escolha dos seus colaboradores mais próximos - como o alemão Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e "guardião" da moral e dos dogmas da igreja, o espanhol Julián Herranz, presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e o também espanhol Joaquín Navarro-Valls, porta voz do pontífice por muitos anos (os últimos, membros do Opus Dei).

Esta proximidade com João Paulo II, segundo o teólogo espanhol Juan José Tamayo, permitiu que tanto a Doutrina da Fé quanto a Opus Dei, representantes do mais profundo ultraconservadorismo da Igreja, manejassem a agenda do Papa no sentido de dirigir a política do Vaticano "a favor de um regresso dogmático ao passado, sem o menor interesse em modernizar a Igreja e adequá-la às demandas sociais dos últimos tempos".

Neste momento, porém, é o Opus Dei (que socorreu financeiramente com cerca de um bilhão de dólares um Vaticano praticamente quebrado após o escândalo financeiro do Banco Ambrosiano), e que tem uma grande capilaridade também nos setores leigos - como a elite empresarial e política mundial (são vinculados ao Opus Dei nomes como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o megaempresário venezuelano das telecomunicações Pedro Carmona, um dos principais articuladores do golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez em 2002) -, que deve desempenhar o papel mais importante, entre os conservadores, no processo sucessório no Vaticano.

A maior influência da organização, especulam analistas italianos, deve estar na figura do espanhol Eduardo Martinez Somalo, cardeal-carmelengo, chefe do Colégio Cardenalício e responsável por oficializar a morte do papa, preparar o funeral, o Conclave, e administrar os bens e propriedades da Santa Sé até a sucessão. Já entre os "papáveis" do Opus Dei estão os cardeais Juan Luis Cipriani, do Peru, e o espanhol Julián Herranz, cujas chances, no entanto, não tem grande cotação no banco de apostas. Além destes, o cardeal de Veneza, Angelo Scola, 63 anos, um dos indicados para a sucessão de João Paulo II, tem o apoio da organização, que também é particularmente defendida pelos cardeais Giacomo Biffi, arcebispo de Bolonga (conhecido por seus ataques xenófobos ao islamismo), e Diogeni Tettamanzi, arcebispo de Genova.

Resistências
Apesar de não ter uma base de implantação social muito elevada, o Opus Dei não é visto com bons olhos por parte da hierarquia católica, na medida em que funciona como se fosse uma espécie de Estado dentro da Igreja. Fundada na Espanha em 1928 por José María Escrivá, (acusado de ter ligações com a ditadura franquista), o Opus Dei é criticado pelos católicos progressistas em função de suas ligações políticas, seu caráter reservado - as vezes quase secreto -, elitista e tolerante com atos de mortificação e autoflagelação, praticados por seus membros.

Em 1982, João Paulo II concedeu ao Opus Dei o status de prelazia pessoal (uma diocese sem limites geográficos, podendo ser implantada no mundo inteiro), o que garantiu ao grupo independência sobre os cardeais locais. Também canonizou José María Escrivá no dia 6 de outubro de 2002, apenas 27 anos depois de sua morte, durante uma cerimônia solene e com grande público realizada na praça de São Pedro.

Para o professor de teologia da PUC de Campinas, Padre Benedito Ferraro, no entanto, apesar da evidente força da organização no Vaticano, uma dúvida para este Conclave é para onde penderão os cardeais alemães e norte-americanos, que, junto com os italianos, têm grande influência no foro.

"Não nego a força do Opus Dei, principalmente depois do aporte financeiro que tirou o Vaticano do vermelho, nem desconsidero o fato de que João Paulo II nomeou um grande número de cardeais conservadores nos últimos anos. Mas acredito que existe um apelo muito forte entre os católicos do mundo todo por uma maior abertura da igreja, para a escolha de um nome que tenha facilidade em falar de temas como homossexualismo, eutanásia, células-tronco etc. Assim, o novo Papa não poderia ser obviamente um nome ligado ao Opus Dei", avalia.

Na mesma linha, Dom Demétrio Valentini, bispo de Jales, acha que o próximo Papa "não vai querer cair no ridículo de dar continuidade ou de imitar a figura de João Paulo II, que se manifestou sobre todos os assuntos cabíveis, atuou em todas as esferas competentes, fez mais do que qualquer Papa que o antecedeu. Pessoalmente, tenho uma grande expectativa de que, só pelo fato de haver uma mudança de Papa, haverá a retomada do debate iniciado no Concílio Vaticano II, que defendeu uma leitura mais aberta do evangelho e a inclusão da voz das comunidades no processo de construção da fé".

Sobre a atuação do Opus Dei, Dom Demétrio afirma que a organização deverá enfrentar dificuldades, porque "suas articulações tem pouco de cristão. O Opus Dei faz uma aposta no poder com a utilização de manobras, é forte nas artimanhas e articulações e no uso do poder, mas acredito que a Igreja ainda é maior que isso".

As influências do Opus Dei
Emilio J. Corbière, autor do livro "Opus Dei. El totalitarismo católico" (Editorial Sudamericana, 2002) definiu a organização como sendo "a mais forte manifestação integralista de poder na Igreja". Segundo Corbière, o Opus Dei esteve intimamente ligado com o regime de Franco, na Espanha, ocupando altos cargos no governo, em bancos, em editoras, revistas e outras publicações. No Vaticano, a influência política do grupo teria crescido quando da quebra do Banco Ambrosiano e da conseqüência insolvência do Instituto de Obras Religiosas (IOR), instituição financeira da Santa Sé que mantinha negócios com o banco. O Opus Dei auxiliou financeiramente o Vaticano, evitando a quebra do IOR. Os negócios do Banco Ambrosiano sempre foram cercados de polêmica. A instituição financiava, entre outras coisas, o regime do ditador nicaragüense Anastásio Somoza. O nome da instituição ficou conhecido mundialmente quando, em abril de 1992, o banqueiro Roberto Calvi, foi encontrado enforcado sob uma ponte, em Londres.

Na Itália, o Opus Dei também esteve envolvido em um escândalo político quando o semanário L'Expresso publicou, em 1986, alguns dos 479 artigos de um suposto regulamento secreto da organização, que teria estado em vigor até 1982, data em que ela foi elevada à categoria de prelazia pelo papa João Paulo II.

Parlamentares italianos solicitaram a instauração de um inquérito, pois, confirmada a veracidade das regras, o Opus Dei cairia no estatuto de sociedade secreta, proibida pela legislação italiana. A investigação não foi levada adiante. Ao longo da década de 1990, o Opus Dei foi se transformando em base política do conservadorismo teológico, servindo como elo de contato entre o Vaticano e governos direitistas europeus e americanos. Vários "opusdeístas" ocuparam (e ainda ocupam) cargos chaves no Vaticano, nomes como o do porta-voz do papa, Joaquín Navarro Valls, e o do substituto do controvertido bispo Paul Marcinkus (ex-diretor do IOR), Eduardo Martínez Somalo, como secretário de Estado romano.

A eleição do novo papa
A escolha do novo papa será feita pelos integrantes do Colégio de Cardeais. Têm direito a voto todos os cardeais com menos de 80 anos. São 117 atualmente, sendo quatro brasileiros. A distribuição regional do Colégio de Cardeais é a seguinte: 58 europeus (20 italianos), 21 latino-americanos, 14 norte-americanos, 11 africanos, 11 asiáticos e dois da Oceania. Para ser eleito, o novo papa precisa ter pelo menos dois terços dos votos. Se não houver um eleito após 12 ou 13 dias, os cardeais podem decidir, por voto majoritário (50% mais um dos votos), quem será o novo líder da Igreja Católica. Não está definida a data de início do conclave, mas os cardeais já anunciaram uma mudança importante no processo sucessório: eles não ficarão mais encerrados em uma sala fechada, podendo circular entre as reuniões. Nos próximos dias, a política vai circular como nunca nos corredores do Vaticano. Especialistas nos jogos de poder, os integrantes do Opus Dei estarão nesses corredores, tentando manter seu espaço de influência.


Marco Aurélio Weissheimer e Verena Glass 06/04/2005

Agência Carta Maior