23.3.11

A TUMULTUOSA HISTÓRIA DA IDADE-MÉDIA – Maravilhas do conhecimento Humano

A TUMULTUOSA HISTÓRIA DA IDADE-MÉDIA

Henry Thomas


O Romance das Santas Cruzadas

O PAPA Urbano II, do alto de uma colina, em Cler mont, no ano de 1095, falava à maior assembléia até então reunida na Cristandade. Levantando as mãos para o céu, exclamava: "Partamos para Jerusalém afim de libertar a Igreja!" Tão forte foi o apelo que a multidão inteira gritou, numa só voz: "Sim, essa é a vontade de Deus!" Assim começou a primeira cruzada.

Grande fervor religioso empolgou todos os povos da Europa, no século XI. Os turcos haviam capturado Jerusalém e não queriam permitir o acesso dos cristãos ao Santo Sepulcro.

No décimo século, a maior parte da Europa havia sido assolada por carestias e pragas. Em 999, estava predito que o mundo se acabaria no Dia de Ano Bom. O povo se tornava cada vez mais ligado à religião e menos ligado à vida. Guerra era a ordem do dia. A principal diversão do senhor feudal era alistar servos para combater. Tão violento se tornou o desejo de combater que a Igreja viu-se obrigada a pôr um limite àquilo. Para isso, decretaram os Papas, ilegais os combates em especificados dias da semana. Esse decreto logrou conservar certa medida de paz.

Afinal a Igreja decidiu que se os fiéis deviam combater, poderiam muito bem gastar seu tempo de maneira mais aproveitável, combatendo os turcos.

Foi justamente por esse tempo que o imperador de Constantinopla fez uma apelo ao Papa, pedindo-lhe para mandar soldados em defesa dos cristãos contra os infiéis. O papa Urbano ouviu os emissários do Imperador e convocou, como vimos, os representantes da Cristandade a libertar o Santo Sepulcro.

E os soldados cristãos, de todas as partes, responderam de todo coração. Vede Pedro, o eremita, o estranho monge de Amiens, barbibranco, de olhar selvagem, pés descalços, viajando sobre um jumento e transportando uma enorme cruz nos braços. Trovejava a sua mensagem diante de nobres, clérigos e camponeses, e eles o seguiam como em êxtase.

A libertação de Jerusalém tornara-se uma santa Cruzada. Através de todos os quadrantes da Europa só se ouvia um grito: "Para a frente, soldados cristãos!" Que melhor penitência para um pecador que deixar sua casa e ir libertar o Santo Sepulcro? Os povos da Europa haviam adquirido então uma alma. A vida tinha afinal um significado. Uma onda de fervor religioso inundou o mundo. Toda a vida normal cessou. Todos deixavam suas famílias, suas ocupações, sua terra e marchavam entusiasticamente para a frente, cantando a canção de Cristo!

Uma multidão indisciplinada, rindo descuidadamente e carregando a Cruz, atrás de Pedro, o eremita, marcha através do vale do Danúbio, na direção de Constantinopla. Nunca antes, na história, cena igual àquela fora vista. Uma turba multa de várias nações movida por um mesmo ideal!

Poucos os que chegaram até Constantinopla. Ao atravessarem a Hungria, foram atacados pelos nativos, e só um punhado deles conseguiu escapar. Os que puderam abrir caminho, lutando, até Constantinopla, foram massacrados pelos turcos.Entrementes, cavalheiros da França, da Normandia, da Inglaterra e das Flandres cruzavam o Bósforo e seguindo os rastros de Alexandre, o Grande, atacavam a cidade santa de Jerusalém. Depois de um mês de sítio, acidade foi tomada. "A matança, escreve Ernesto Barker, foi terrível. O sangue dos vencidos corria pelas ruas a ponto de os homens chapinharem nas poças, ao caminhar. Ao cair da noite, soluçando por excesso de alegria, os cruzados chegaram ao Sepulcro… e uniram suas mãos manchadas de sangue para rezar. Assim, terminava, naquele dia de julho (1099), a Grande Cruzada".

Roberto de Courçon pregou outra cruzada, à moda de Pedro, o eremita, para a libertação de Jerusalém. Dava a cruz a toda a casta de homens, capazes, incapazes ou semicapazes.

Um pastorzinho, chamado Estêvão, encheu-se de frenesi ao escutar as apaixonadas.prédicas de Roberto e jurou que o rei de França havia recebido uma carta do Salvador na qual êle, Estêvão, era mencionado como sendo o escolhido de Deus para conduzir uma cruzada de meninos, afim de libertar o Santo Sepulcro.,

Meninos e meninas de todas as classes sociais correram a pôr-se às ordensdo jovem pastor, em número de trinta mil. Na Alemanha, outro rapaz reuniu sete mil crianças. As crianças da Alemanha atravessaram os Alpes, e, sabendo que o caminho para a Terra Santa era por mar, jornada para a qual não tinham dinheiro, alugavam-se como criados aos italianos. Alguns esmolavam, ou roubavam sua passagem; outros tentaram voltar para casa e pereceram pelas, estradas, de calor, de fome e de fadiga. Os que restaram foram assassinados por salteadores.

As trinta mil crianças conduzidas por Estêvão viajaram em carros para a cidade de Marselha. Cantavam e gritavam num frenesi de alegre fervor, ao partirem. Embarcaram para a Terra Santa em sete navios. Dois destes rèbentaram-se nos rochedos e todos de bordo pereceram. Os cinco navios remanescentes foram levados ao norte da África, onde os sobreviventes sofreram a desgraça de ser vendidos como escravos. Foi este o fim da cruzada das crianças.

Ricardo, Coração dê Leão e Saladino, o Cavalheiresco

DURANTE uma trégua, no cerco de Alexandria, o sultão Saladino foi convidado a ser hóspede do acampamento cristão, pelo valente Humphrey de Toron.

Saladino, fundamente impressionado pelo nobre cavalheiro cristão, pediu a seu hospedeiro que lhe explicasse os princípios básicos da cavalaria. Humphrey falou-lhe dos muitos votos, que um homem deveria fazer, antes de ser iniciado na ordem, que deveria ser bravo e humilde e virtuoso "sans peur et sans reproche". Saladino acompanhava as palavras de seu hospedeiro com muito interesse, exclamando: — "Por Alá, isso é muito bonito!"

E pediu para ser iniciado na ordem da cavalaria. Certo é, que logo no dia seguinte, Humphrey e Saladino teriam de combater um contra o outro, pois um era cristão e outro, um infiel. Mas, à noite, aquela trégua os tornava amigos. O gentil Humphrey, era o mestre de cavalaria e o dócil Saladino, seu discípulo. Saladino foi armado cavalheiro e até o fim de seus dias não esqueceu as lições de cavalaria, que aprendera de Humphrey de Toron.

Oriundo de um povo selvagem de rapiñantes e guerreiros, Saladino conservou-se, em um tempo notável pela sua crueldade, um homem extraordinariamente delicado e clemente.

Seu grande rival foi Ricardo I, da Inglaterra, o rei do coração de leão, comandante do exército cristão, que pôs cerco à cidade muçulmana de Acre, na Terceira Cruzada (1191).

Ricardo era o cavalheiro cristão ideal. Seu cabelo era de um tom, entre vermelho e amarelo; seus olhos tinham a côr do mar azul e sua estatura era gigantesca. Sobrepujava a todos em vigor e em cortesia de maneiras. Bravo até a temeridade, descuidoso de si próprio na batalha, percorreu certa vez toda a frente de seu exército, agitando sua lança para os muçulmanos, com escárneo, e nenhum deles ousou aceitar seu desafio. Acreditavam que havia nele algo de sobrenatural.

Quando um muçulmano descobria que seu cavalo estava mordiscando o freio, perguntava-lhe: "Pensas que o rei Ricardo vem aí, para estares tão impaciente de te livrares dele?"

O rei Ricardo chegou com cento e vinte e cinco navios e atacou Saladino. Mas, no intervalo das batalhas, tinha grande desejo de encontrar-se com o famoso muçulmano. Enviou certa vez um mensageiro a Saladino, solicitando-lhe uma entrevista. Saladino respondeu que não podia concedê-la enquanto não se estabelecessem as bases de um tratado. Contudo, Saladino enviou-lhe presentes de frutas e refrescos.

Doutra feita, Ricardo ouviu uma rara voz, que cantava no acampamento sarraceno. Pediu então para partilhar do benefício daquela distração. Imediatamente Saladino remeteu para a tenda do monarca cristão uma formosa escrava, que cantou para êle, acompanhando-se numa guitarra. Na manhã seguinte, cristãos e muçulmanos travaram uma batalha sangrenta, com Ricardo e Saladino à frente das respectivas tropas.

Noutra oportunidade, o rei inglês mandou um mensageiro ao sultão, pedindo-lhe que aceitasse uma preciosa dádiva. Saladino respondeu afirmativamente, com a condição de lhe ser permitido enviar a Ricardo outro presente de igual valor.

Uma vez o rei Ricardo estando, há muito tempo, sem frangos para comer, pôs-se em comunicação com o sarraceno e disse que ia presenteá-lo com dois falcões ingleses. "Mas estes falcões, escreveu, estão mal alimentados, podendo, porém ser revigorados, com um bom re-

pasto de frangos." Saladino percebeu a insinuação e Ricardo não mais se viu privado de seu prato favorito.

Mas quando Ricardo intimou o chefe muçulmano a entregar a cidade santa de Jerusalém e acrescentou estas palavras: "Entrega também a cruz, que para ti nada mais é que um pedaço de pau, mas para nós tem alto preço," Saladino replicou, de olhos chamejantes: "Jerusalém pertence tanto a nós quanto a vós e é mais preciosa a nossos olhos que aos vossos, pois foi o lugar da peregrinação do nosso profeta e o sítio em que os anjos se reuniram."

E quando Ricardo, ao entrar em Acre, apoderou-se de toda a população e mandou passá-la a fio de espada, Saladino vingou-se mandando cortar a cabeça de todos os prisioneiros cristãos.

Os emissários do Sultão chegaram um dia à presença ae Ricardo para pedir-lhe a entrega dos oficiais muçulmanos que os cruzados tinham capturado como reféns, numa batalha anterior. Em resposta a este pedido, Ricardo ordenou a morte dos oficiais presos e que suas cabeças fossem servidas aos emissários, num banquete que deu em sua honra. Fingiu espanto diante do horror demonstrado pelos seus convidados e, declarando-se pesaroso por não haver sabido bem satisfazer o gosto deles, mandou que fossem servidas iguarias mais agradáveis.

Embora fosse Saladino considerado um "infiel", era bastante piedoso, no sentido maometano. Costumava rezar pelo menos quatro vezes por dia: de manhã; das duas às quatro da tarde; depois do crepúsculo e antes de deitar-se. Se despertava durante a noite, oferecia uma prece adicional. Usualmente, também, conseguia efetuar uma oração extra, às vezes, antes da aurora. Se acontecia estar cavalgando, em horas designadas para a prece, apeava-se e rezava.

Tão apaixonadamente devotado era êle à religião do Islã que, quando a santa cidade maometana de Acre estava a ponto de ser tomada pelos cristãos, recorda um cronista, "sussurrava piedosas orações, de modo que ninguém o pudesse ouvir, enquanto as lágrimas corriam-lhe pela barba e humedeciam o tapete sobre que se achava ajoelhado."

Na verdade, muitos de seus mais acerbos críticos admitem que esse adversário da Cristandade fora um dos mais firmes sustentáculos dos ideais, pregados pelo Fundador da Cristandade.

Quanto ao caráter de Ricardo, poderá ser ilustrado pelo seguinte exemplo: Quando partiu do Oriente, em outubro de 1192, sem ter encontrado pessoalmente Sala-dino e sem ter retomado Jerusalém mandou dizer ao Sultão que voltaria dentro de três anos e conquistaria a Terra Santa. A que Saladino respondeu, dizendo que se tivesse de perder Jerusalém, ninguém conhecia a quem pudesse entregá-la, senão Ricardo, Coração de Leão.

A espantosa carreira de Gengis Khan

GENGIS KHAN foi um chefe tártaro das estepes da Ásia. Seu trono era a sela de um cavalo e seu castelo, uma tenda. Homem frugal, passeava de pés descalços, cobria-se de jóias e conquistou quase mais terras que qualquer outro chefe guerreiro da história.

Era comandante dos mongóis, povo que desceu subitamente da região setentrional da China, no tempo em que os cristãos estavam fazendo cruzadas no Ocidente.

O grão Khan invadiu a China. A civilização chinesa achava-se então em seu apogeu. No sétimo século, o imperador Tai-tsung, quando visitado por missionários cristãos e muçulmanos, possuía a Bíblia e o Corão já traduzidos para o chinês, lia-os cuidadosamente e julgava

que seu próprio conterrâneo Confúcio havia ensinado a mesma religião essencial, cinco séculos antes de Cristo e doze antes de Maomé. Contudo, anunciou que permitiria que cristãos e maometanos praticassem em seu império a sua religião, contanto que o deixassem continuar com sua religião chinesa.

Tal o caráter dos chineses que foram dominados no século XIII, por Gengis Khan.

Gengis Khan organizou uma vasta máquina militar e varreu o Ocidente, desde o Pacífico até o rio Dniéper, na Rússia, submetendo todas as nações que encontrava em seu caminho. Um estado otimista recusou-se a ouvir os emissários de Gengis Khan, e matou-os. Imediatamente o Terror Mongólico caiu, como um ciclone, sobre a população, que êle fez saltar pelos ares, por meio de pólvora, ardil que aprendera com os chineses, pois estes haviam inventado a pólvora muito antes dos cristãos.

Apesar-de tudo, o sistema de Gengis Khan era baseado na tolerância. Esse bábaro tinha o bom senso de confiar seus negócios políticos a um homem que era bem versado na cultura chinesa. Esse homem não somente governou os chineses, mas educou os mongóis.

O império mongólico de Gengis Khan foi um estado muito romântico. Espalhando-se como aconteceu, como uma imensa sombra sobre as raças morenas e amarelas da Ásia à Rússia, tinha sua cabeceira na corte do Grão Khan. Ali se reuniam filósofos do Oriente e do Ocidente, mensageiros do Papa, padres budistas, mercadores árabes, astrônomos persas. Ali também, milhares de jovens, escravas dansavam ao som da música oriental e centenas de casas de prazer erguiam suas cúpulas, sob o sol de ouro.

Os mongóis eram uma raça singular. Tinham corações selvagens e espirito inquisidor. Suas duas paixões, eram aprender e derramar sangue. O Grão Khan passava o tempo entre a batalha e o estudo. Quando não estava matando, lia filosofia. Sua ocupação era, dizia êle, espalhar a morte e aprender o mistério da vida.

Por algum tempo, esperaram os papas poder converter os mongóis ao cristianismo. Gengis Khan e’seus sequazes praticavam uma religião de culto dos antepassados. Sacerdotes, ou mais precisamente, mágicos, eram tidos como os controladores dos espíritos de seus antepassados tribais e como capazes de invocar a qualquer hora, esses pavorosos espíritos, afim de assombrar os que fazem mal a outrem.

Quando o sucessor de Gengis, Kublai Khan, foi solicitado a fazer-se cristão, pediu que cem sábios do Ocidente viajassem até seu palácio, para lhe apresentarem a causa do cristianismo. Mas os homens escolhidos desanimaram diante da extensão da viagem e recusaram-se a ir. E assim a Igreja perdeu sua única e excepcional oportunidade de converter o império mongólico ao cristianismo.

Não foram os europeus bem sucedidos em levar sua religião até a China. Mas conseguiram levar para lá seu comércio, graças, grandemente, à ambição e à coragem da grande família Polo, de Veneza.

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As viagens de Marco Polo

EM fins do século XIII, houve uma batalha naval, en tre as cidades de Gênova e Veneza. Um dos venezianos, capturado nessa batalha, chamado Marco Polo. divertiu seus companheiros de prisão com estranhas histórias de sua juventude e de suas maravilhosas viagens, nas terras do Khan.

Sentado numa esteira de palha e tamborilando despreocupadamente os nós dos dedos na parede de madeira, narrava como certa vez acompanhara seus tios, Nicoló e Maffeo, na viagem que fizera à corte de Kublai Khan. Durante a jornada, haviam-se detido na cidade santa de Jerusalém. Levaram consigo uma lâmina de ouro e um pote de azeite do santuário, e depois de muitas fadigas conseguiram alcançar o palácio dos chefes mongóis. Ali o jovem Marco Polo caiu nas graças do imperador, pela sua linguagem chistosa e adquiriu alto prestígio nos conselhos da Corte. Trajou-se à oriental, aprendeu a falar o mongol e não tardou a esquecer tudo quanto se referia ao seu lar, no Ocidente. Permaneceu na China dezesseis anos, até que um dia um grande desejo de rever seu povo se apoderou dele.

Mas quando disse a seu amigo Kublai Khan, que desejava regressar a sua casa, o imperador não consentiu que o fizesse. Marco e seus tios ficaram, virtualmente, como prisioneiros em terra estranha.

Um dia, por ocasião de um casamento na família real, sendo mandada uma expedição do Khan, de Pequim ao sul da China, para buscar a noiva, Marco e seus tios foram solicitados a acompanhá-la, por causa de sua experiência de viagens.

Uma vez a bordo de um navio, Marco e seus tios escaparam para Trebizonda, dali para Constantinopla e afinal chegaram a Veneza. Seus amigos, porém, não mais os reconheceram, vestidos como estavam à oriental. Em suas próprias casas recusaram-lhes entrada. Só muito tempo depois é que conseguiram provar a seus vizinhos que não eram malucos a contar imaginárias histórias de terras estranhas, mas viajantes verdadeiros, que regressavam para casa, de volta da terra de Kublai Khan. Marco Polo deu um banquete, a que convidou todos os seus velhos companheiros. Quando a festa estava no auge, mandou buscar seus trajes orientais e descoseu-os, e logo surgiu, em maravilhosa exposição, uma incrível quantidade de rubis, safiras, esmeraldas, carbúnculos e diamantes, diante dos olhares deslumbrados dos convivas. "Estes, disse êle, vieram da terra dos mongóis." Depois contou-lhes histórias daquela região próspera e risonha, de suas maravilhosas vinhas, de seus pomares e jardins, dos templos magnificentes, dos sacerdotes budistas, das roupas de seda, prata e ouro. Falou-lhes do grande exército de elefantes da Birmânia e dos arqueiros mongóis que os destroçaram. Falou-lhes do Japão e de seu ouro fabuloso. Falou-lhes de um certo "Preste João", um padre que era rei duma estranha tribu de cristãos do Extremo Oriente.

Quanto mais falava, mais exagerava e quanto mais exagerava, tanto mais ávidos se tornavam seus ouvintes, de descobrirem por si mesmos aquele maravilhoso país de fadas do Oriente.

Marco Polo tinha o costume de falar em milhões: um milhão de ducados, um milhão de milhas de território fértil, milhões de homens e de mulheres eram encontrados ali, e assim por diante. Por isso, um italiano espirituoso o apelidou de Marco Milhões.

E enquanto Marco Milhões sentado ali, na sua pri-sãozinha de Gênova, anos mais tarde, batendo com os nós dos dedos na parede de madeira, desfiava as histórias de suas viagens a seus companheiros de prisão, afim de ajudá-los a passar as horas de tédio, um escrevente chamado Rustigielo reunia o material num livro, a que deu o nome de AS VIAGENS DE MARCO POLO. Este livro foi lido por milhares de homens e mulheres. Falava-lhes de terras novas para lá da Europa; estimulou o comércio entre o Oriente e o Ocidente e inflamou a imaginação de um explorador chamado Cristóvão Colombo, que, tentando encontrar uma nova passagem para o Oriente, tropeçou com um novo mundo.

As cortes de amor

ESTA instituição gozou de honroso lugar no Oriente.

Na China medieval, por exemplo, havia um harém, não só para o Imperador, mas para os membros das embaixadas estrangeiras afim de tornar-lhes a estada no Oriente mais agradável. Marco Polo havia descrito as mulheres da corte de Kublai Khan, como "incrivelmente numerosas e arrebatadoramente belas”. Somente os pobres tinham de limitar-se a uma só esposa. Os que podiam arcar com as despesas, arranjavam "companheiras secundárias" e se tornavam muito respeitados entre seus pares, pois estavam contribuindo com muitos filhos e filhas para a pátria.

A mulher de um dos imperadores dizia a seus amigos que "ela nunca havia deixado de enviar emissários às cidades vizinhas, para buscar mulheres bonitas, afim de poder presentear com elas o seu encantador esposo."

As principais famílias.do estado rivalizavam umas com as outras, para ter a honra de fornecer uma filha ao harém do imperador. E nenhuma moça, que não fosse irresistivelmente bela, jamais se deitava duas vezes no leito real. A mulher-chefe do harém chinês era escolhida na base da capacidade do número de filhos que produzia. Mas em geral a honra era simplesmente titular. Como o resto do harém, era olhada pouco melhor que uma escrava.

A vida da mulher média do Oriente era extremamente difícil. Um poeta chinês escreveu certa vez:

"Quão triste coisa é ser mulher!
Nada no mundo é tão mesquinho.
Com seu nascer ninguém se alegra.
Estima pouca tem-lhe a família
Quando ela cresce; e no seu quarto
Vive escondida, sem coragem,
De olhar um homem, cara a cara.
Choros não há quando se vai,
Nem alegria, ao regressar."

O poderoso Gengis Khan, contudo, não teria concordado com esse poeta. Sua vida, quando não estava êle ocupado com suas lutas ou com sua filosofia, era uma longa festa, para celebrar a chegada de alguma concubina a seu real harém. Dizem que esse soberano possuía mil elefantes, mil carruagens e mil mulheres.

Seu filho, Kublai Khan, era ainda mais extravagante. Seu harém contava seis mil mulheres. Mas de todas essas, só a uma êle amava: a bela Nur Jehan, que significa "A luz do palácio". Talvez a amasse tão devotadamente pelo muito que lhe custou obtê-la. Para incluí-la no seu harém, teve de matar-lhe o marido.

O sucessor de Kublai Khan formou, como seu pai, um harém de seis mil mulheres. Sua mulher favorita, Nur Mahal, presenteou-o com catorze filhos e morreu aos trinta e nove anos, quando dava à luz o décimo quinto.

O livro sagrado dos muçulmanos promete ao homem piedoso um harém de setenta e duas belas hurís no paraíso. Mas que é isso para um homem que possuiu 6.000 lindas mulheres na terra?

E sabeis o que acontecia às mulheres do harém quando o marido morria? Na índia, eram queimadas juntamente com o morto, na pira funerária. Em algumas outras regiões, disputavam o privilégio de serem imoladas sobre o túmulo. Com o correr dos tempos, porém, a severidade desse costume foi modificada. A mulher tinha à escolha, ou suicidar-se, ou raspar o cabelo e distribuir o dinheiro em esmolas.

Tal, em resumo, a história de algumas das grandes Cortes de Amor, no Oriente. A mais estranha talvez, das cortes de amor da história, existiu, não no Oriente, mas na Inglaterra. Foi o famoso clube de mulheres, chefiado pela rainha Eleonora, mãe de Ricardo, Coração de Leão. Os membros desse clube seguiam os cruzados ao Oriente, onde divertiam igualmente cristãos e muçulmanos. A sociedade tinha muitas regras, uma das quais era a de expulsão da mulher, que fosse surpreendida namorando seu próprio marido.

A mais famosa história de amor da Idade-Média

ABELARDO foi o príncipe dos filósofos medievais. Lecionava no grande adro de Notre Dame, onde milhares eram os que o escutavam. Sua fama de sábio espalhou-se por toda a Europa e chegou aos ouvidos de um nobre, que o contratou como preceptor de sua jovem sobrinha, Heloisa. "Quando eu vi Heloísa, pela primeira vez, escreveu Abelardo, fiquei não menos atônito diante da ingenuidade de seu tio em tomar-me como preceptor dela, do que se êle houvesse confiado um tenro cordeirinho a um lobo faminto".

Abelardo ensinou à linda criança, latim, grego, hebraico… e amor.

Em breve toda a gente, exceto o tio, percebeu o que estava acontecendo entre professor e aluna. E quando afinal veio a saber da verdade, ficou furioso. Muito justamente pediu a Abelardo que casasse com sua sobrinha, mas o casamento já se realizara secretamente.

Afim de proporcionar liberdade a seu amado para seus estudos, a bela Heloísa refugiou-se num convento. Isto, porém, não pôs fim às inquietações de Abelardo. De noite, dois rufiões, alugados pelo tio de Heloisa, penetraram no quarto de Abelardo. Tinham ordem, não de matá-lo mas de lhe infligir uma cruel mutilação.

O jovem sábio retirou-se para um convento. Passou o resto de seus dias recluso, estudando latim e manuscritos clássicos. Quanto a Heloisa, reclusou-se completamente no convento, onde permaneceu até o dia de sua morte. Passou seus últimos dias compondo sua famosa coleção de CARTAS. Estas cartas são ainda lidas pela sua "insuperada expressão de paixão humana e de devo-tamento feminil." São a mais bela coleção de cartas de amor que existe.

O jovem sábio e sua amada aluna foram sepultados num mesmo túmulo, no cemitério de Père-la-Chaise, em Paris. Êle havia despido seus trajes sacerdotais e eia seu véu de monja. E juntos agora dormem na eterna paz, não mais o austero sacerdote e a triste monja, mas os felizes amantes reunidos, Abelardo e Heloísa.

Grandes Momentos na História da Idade Média – Ilustração

idade média imagens

A. D. 622, a Hégira — A fuga de Maomé; 732, a batalha de Tours — Charles Martel; 800 Carlos Magno, Imperador do Ocidente (A coroa de ferro) ; 888, Alfredo o Grande, da Inglaterra; 987, Hugo Capeto, o primeiro rei da França; 1066, a batalha de Hastings — Haroldo versus Guilherme I; 1080, Papa Gregório VI (Hildebrando); 1212, a cruzada infantil; 1215, a Magna Carta; 1295, o primeiro parlamento inglês; 1314, a batalha de Bannockburn-Eobert Bruce da Escócia; 1415, batalha de Agincourt-Joana d'Arc; 1450, invenção da imprensa; 1453, captura de Constantinopla pelos turcos.

Fonte. Globo. 1949. Trad. e Adap. de OSCAR MENDES.