26.4.11

ALEIJADINHO

Antônio Francisco Lisboa, conhecido por Aleijadinho por causa da doença que sofreu e o deformou sem piedade, nasceu dia 29 de Agosto de 1730.

Izabel, mãe de Aleijadinho deu a luz no bairro do Bom Sucesso, na cidade de Ouro Preto, antiga capital da Província de Minas Gerais.

Filho natural de Manuel Francisco Lisboa, arquiteto português, e de Izabel, uma pobre escrava africana:
"...nesta Igreja de Nossa Senhora da Conceição com licença minha baptizou o Rdo. Pe. João de Brito a António, fo. de Izabel, escrava de Manoel Francisco da Costa de Bom Sucesso,elhe pôs logo os stos. Oleos edeu odo. seo senhor por forro..."

O nome do pai de Aleijadinho aparece, na Certidão, grafado Manoel Francisco da Costa.

Historiógrafos, como Rodrigo José Ferreira Bretas (1858), afirmam que são nomes pertencentes à mesma pessoa.

Feu de Carvalho, autor do "Ementário da História de Minas" não aceita erros em qualquer documento da época. Argumenta que se o pai do Aleijadinho tivesse da Costa no nome, o Procurador da Câmara jamais consentiria que num contrato ele apenas assinasse parte do seu nome. Afirma que em nenhum documento há uma assinatura com da Costa. Todos estão assinados como Manuel Francisco Lisboa.

Por causa deste fato muitos historiógrafos e a Igreja negam a existência do Aleijadinho.

O Aleijadinho de Vila Rica,
O Aleijadinho de Vila Rica,
quadro de Henrque Bernardelli

Momento histórico em que viveu Lisboa

Nos primeiros anos de vida, Aleijadinho deve ter tido conhecimento das perversidades do governador luso, D. Pedro de Almeida.

Este autocrata, Conde de Assumar, decretou a destruição das choupanas de adôbe situadas no Morro de Ouro Podre, local onde se refugiavam os escravos do Mestre-de-campo, Pascoal da Silva Guimarães.

Aleijadino, na adolescência, pode entender as velhas rivalidades entre taubateanos e outros paulistas. Sentiu na própria pele a mesquinhez do Governador D. Luiz da Cunha Menezes.

Soube das sangrentas lutas dos habitantes de São Paulo com os emboabas.

Observou o descontentamento, cada vez maior, pela cobrança dos "quintos", taxas obrigatórias que a Colônia tinha de pagar ao Reino. Uma condição intolerável já que os fecundíssimos veios auríferos se exauriam.

Os interesses da Metrópole ligados às jazidas determinaram a mudança do Governo Geral para o Rio de Janeiro porque esta medida era mais conveniente do que a defesa da Colonia do Sacramento, localizada à margem esquerda do Rio da Prata.

E assim também se deslocou do sul em direção ao centro a economia brasileira da época.

Sacerdotes de diversas ordens conseguiam licença para esmolar nas Minas onde arrecadavam grandes quantidade de ouro, início do esplendor dos conventos sob o trabalho escravo.

Descontentamentos, roubos, crimes, disputas entre ordens, mineradores, aventureiros e perseguições não impediram a prosperidade de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Albuquerque, nome dado pelo Governador Antônio de Albuquerque à região descoberta.

Obras de Aleijadinho em Ouro Preto, MG.

Há de se ter muito cuidado em atribuir a Aleijadinho a autoria de tantas obras de arte.

Em cada gênero talhado pelo Mestre há diversas características próprias de seu risco: proporções, marcas de golpes do cinzel, número de dobras nas vestimentas.

Aleijadinho não foi o único "santeiro", abridor de cunhos, escultor, projetista, empreiteiro de sua época: Antônio Francisco Pombal, Domingos Marques, João Gomes Batista, José Coelho de Noronha, José Fernandes Pinto de Alpoim, Felipe Vieira, Manuel Rodrigues Coelho, Antônio Coelho da Fonseca, Pedro Gomes Chaves.

Francisco de Lima Cerqueira, Viricimo Vieira da Mota, além do próprio pai de Aleijadinho, Manuel Francisco Lisboa e do Mestre Valentim da Fonseca e Silva.

Estas a seguir são as obras, com algumas ressalvas, atribuídas ao Mestre Aleijadinho:

- planta da Igreja de São Francisco de Assis, talha e escultura do frontispício, os dois púlpitos, o chafariz da sacristia, imagens das três pessoas da Santíssima Trindade, anjos do altar-mor;

- obras da Igreja de Nossa Senhora do Carmo;

- obras na Capela de São Miguel e Almas, ou Bom Jesus das Cabeças.

Nos arquivos e livros das ordens religiosas ( Franciscana, Carmelita, Beneditina) e das paróquias estabelecidas em Ouro Preto encontramos diversos recibos de trabalhos artísticos passados por Aleijadinho.

E com argumentos sustentado nestes recibos é atribuído ao Mestre a autoria de centenas de obras em toda Gerais.

Reprodução da assinatura de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho
Reprodução da assinatura de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, de um recibo passado em Congonhas do Campo, em 1796.

"Aleijadinho foi invenção do governo Vargas"

O pesquisador paulista Dalton Sala acredita que Aleijadinho foi uma invenção do governo Getúlio Vargas. Para Sala, o Mestre é um mito criado para a construção da identidade nacional - um protótipo do brasileiro típico: "mestiço, torturado, doente, angustiado, capaz de superar as deficiências por meio da criatividade".

Segundo o pesquisador, nunca ficou provado textualmente que uma pessoa chamada Antônio Francisco Lisboa, conhecida como Aleijadinho, tivesse feito todas as obras que lhe foram atribuídas. Sala atribui a construção do mito Aleijadinho a uma necessidade política e ideológica da ditadura Vargas.

"Criado duas semanas depois do golpe de 1937, o SPHAN - Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tinha como meta colaborar na construção de uma identidade nacional".

Sala ainda afirma que a criação dessa identidade baseou-se em dois grandes mitos: Aleijadinho e Tiradentes porque a figura de Aleijadinho faz coincidir um processo de autonomia cultural com um processo de autonomia política, personificado em Tiradentes.

O pesquisador diz que o mito Aleijadinho, de origem duvidosa, já existia antes de Vargas. Foi apenas aproveitado pelo Estado Novo.

Em 1858, Rodrigo José Ferreira Bretas publicou no 'Correio Oficial' de Minas que havia achado um livro datado de 1790, com a história de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

"Acontece que esse livro, chamado 'Livro de registros de fatos notáveis da cidade de Mariana', nunca foi visto por ninguém", diz Sala.

O paulista conclui sua teoria afirmando que em 1989, o historiador de Arte Germain Basin, disse-lhe que foi pressionado pelo ex-presidente do SPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade, e pelo arquiteto Lúcio Costa para emitir parecer atribuindo a Aleijadinho a autoria de obras.

Jair Ratter

Acróstico prova a existência do Santo-bruxo, tombado

Aleijadinho transcende aos rococós e motivos do barroco mineiro que, carregados de ironia, faz de sua iconografia a enunciação de significados profanos.

Não fosse verdadeira essa afirmação fica pelo menos a dúvida uma vez que o padre Júlio Engrácia, administrador do Santuário de Congonhas do Campo, no começo do século XX, tentou eliminar as obras de Aleijadinho.

Contra aqueles que negaram ou ainda negam a sua existência o Mestre Lisboa montou um acróstico.

As iniciais dos Profetas Abdias, Baruc, Ezequiel, Jonas, Jeremias, Amós, Daniel, Joel, Nahum, Habacuc, Oséias e Isaías montam o nome como era conhecido: Aleijadinho.

Bastariam 11 letras. O Mestre além de utilizar as iniciais de Jonas e Joel (o jota tônico tem som de "i"), usa o "i" de Isaías, para homenagear sua mãe, escrava Izabel, de propriedade de seu pai, Manoel Francisco Lisboa.

Ao todo são 12 Profetas: 4 Maiores, 7 Menores e 1 Escriba, Baruc (Berk-yah) que quer dizer Louvado, pois não há Profeta com a inicial L.

Aleijadinho estava além da alegoria, do telúrico, e já passeava pelo Mundo da Criação 200 anos da ciência ter chegado perto da interpretação do Universo.

Nesta audácia, transgride com o seu cinzel. Deixa impresso na arte os momentos e estados da Alma que morria em vida.

Conseguir ver e refletir sobre as mensagens deixadas pelo Mestre é uma conquista sem limites da capacidade criadora que transcende à compreensão dos homens de razão. Só entenderá as mensagens aquele que possuir Alma.

Um grito de libertação: independência ou morte!

Baruc é um escriba entre os Profetas, como Critilo foi o autor das Cartas Chilenas. Ambos, Aleijadinho e Gonzaga, foram perseguidos, oprimidos e possuíam desejos de libertação.

O reforço desta ligação com os Inconfidentes está no conhecimento que possuía sobre a Escola Maçônica que tanto destaca em suas arquiteturas (G.M.:), nos gestos dos Profetas e nos motivos de suas indumentárias.

Sem culpa pela profanação ou medo de castigos, Aleijadinho criou o Adro: um lamento coletivo.

Peregrinos se apresentam diante do Bom Jesus arrependidos de suas culpas. Parece que todo o sofrimento humano flui para lá.

A pedra-fria-sabão naquele conjunto parece disposta a ouvir e a compartilhar dos sofrimentos da humanidade além de "fazer" as advertências que o próprio colóquio dos Profetas nos impõe.

Morrendo em vida mas com sua Vontade viva encontrou o Verbo Perfeito, o Absoluto, que se revelou pela força da palavra e que deu a esta palavra um sentido igual a si mesma: "passagem".

Com os 12 Profetas (1+2=3, o triângulo, a primeira figura perfeita)somou com ele 13 - a presença da Inteligência trabalhando diretamente ligada à Unidade produzindo uma total varredura de coisas negativas para ressuscitar as positivas, um Novo Ciclo, a Ressurreição.

Aleijadinho deixou para a humanidade muito mais do que sinais, símbolos ou representações da Cabala. Obrigado por ter deixado tanta informação que, depois de quase 200 anos em silêncio, nós hoje podemos entender e ouvir o seu grito de Libertação: - Independência ou morte!

Aleijadinho: se uma invenção, e daí?

Sem o propósito deliberado de firmar polêmica sobre o tema cuja origem remete à pesquisa de Dalton Sala, segundo quem a autoria das belas esculturas não pertenceria à figura de Antonio Francisco Lisboa (Aleijadinho), interessa-me o fato de enfocar a questão por outro ângulo: a autonomia da arte e a verdade.

Afirmam os positivistas que, contra os fatos, não há argumentos. Já os jornalistas consideram serem mais importantes que os fatos suas possíveis versões. Por fim, os semiólogos julgam estar, acima dos fatos e das versões, a interpretação. Confesso-me inclinado a ser parceiro da terceira vertente, principalmente quando o objeto de discussão envolve a arte.

Aflige o ser humano o fantasma da verdade e da mentira. Há uma irrefreável tentação no sentido de se aprisionar o sentido sobre todas as coisas. Parece-nos que, quando o conseguimos, tornamo-nos menos inseguros e mais fortes. O problema, porém, é que a arte, embora se origine da substância do mundo, não comporta a contaminação do que é mundano.

Por outra via, deseja-se afirmar que o mundano não serve para se tentar extrair a verdade da arte. A arte desliza no tempo-espaço em regime de plena liberdade, o que possibilita que seus conteúdo e forma se reatualizem, à luz das transformações.

É isto que explica o fato de uma obra concebida no século V de Péricles, a exemplo da tragédia Édipo Rei, prestar-se como desafio à compreensão de fenômenos contemporâneos. Nada a alterará, se, num futuro qualquer, alguém encontrar um documento no qual figure que a autoria da peça não é de Sófocles. O que foi criado artisticamente haverá de continuar seguindo seu próprio caminho. O resto fica por conta da "fofoca histórica". E fim.

Louve-se o espírito diligente do pesquisador Sala. Todavia, sua contribuição, se correta o for, apenas imporá pequenas alterações no campo da informação. Em nada, o conjunto de signos a configurar a estética presente em Congonhas do Campo sofrerá qualquer abalo. Ali está consignado um modo de apreender o real na sua dimensão mais profunda acerca das dores do mundo, de suas tensões, de sua beleza, de suas contradições. Enfim, uma visão de contrastes na mais profunda estetização barroca.

É preciso ainda ressaltar que, em tempos mais antigos, a autoria de qualquer obra era um dado inexpressivo, sujeito a circunstâncias das mais diversificadas. A autoria, como hoje a conhecemos, deriva de uma construção narcisista e patrimonial do imaginário burguês, diante de sua doentia aspiração à eternidade e ao lucro. A obra escultural de Aleijadinho (ou de quem tenha sido) está fora de quaisquer contaminações ocasionais.

Atlante sustenta a tribuna do coro da capela de Nossa Senhora do Carmo, da Ordem Terceira do Carmo, em Sabará, MG
Atlante sustenta a tribuna do coro da capela de Nossa Senhora do Carmo, da Ordem Terceira do Carmo, em Sabará, MG., in O Aleijadinho, Germain Bazin, Editora Record, RJ., 2ª ed. 1963, p. 185. Direitos de reprodução reservados à Editora Record.

Como arte, nada do que sobre ela se venha a descobrir ou a encobrir, a atingirá. E é apenas na condição de criação artística que as esculturas adquirem real e perene interesse.

No mais, são curiosidades, bisbilhiotices de alcova ou de gabinetes, ou seja, tudo aquilo que é menor, mesquinho, simplório, apequenado. Tudo que é recusado e ignorado pela arte. Restabelecer ou ratificar a "verdade autoral" a respeito da obra de arte sinaliza o uso de um olhar estrábico que tende a ver o mundo por um viés torto.

Ivo Lucchesi

Fonte: www.Aleijadinho.com