20.4.11

Identificação de três ossadas que pertenceram a homens que participaram da Inconfidência Mineira.

Alice Melo, Julia Moreira e Ronaldo Pelli

Nunca é tarde para as homenagens. Foi confirmada, nessa sexta-feira (15), a identificação de três ossadas que pertenceram a homens que participaram da Inconfidência Mineira. São eles: o agricultor José de Resende Costa, pai, (1728-1798), o médico Domingos Vidal Barbosa (1761-1793) e o também agricultor João Dias da Mota (1744 – 1793). [Crédito da foto ao lado: Unicamp]

Os três vão ser sepultados no Panteão do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, numa cerimônia que contará com a presidenta Dilma Rousseff, dia 21 de abril, quando se lembra a morte do mais famoso dos insurgentes, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

A trajetória de Resende Costa, Vidal Barbosa e Dias da Mota é parecida após o enforcamento de Tiradentes, em 1792. Foram para Portugal e, em seguida, chegaram à África. Todos os três estão no grupo de formação do movimento. Como não houve o momento de chegada às armas, é difícil mensurar a participação de cada um deles, de acordo com alguns estudiosos. Pesquisadores citam o rico fazendeiro José de Resende Costa como um dos mais envolvidos na revolta. Foi preso junto com o filho de mesmo nome e condenado à morte junto com os outros inconfidentes. Na África, foi contador e distribuidor forense. Domingos Vidal Barbosa, cujo primo Francisco Vidal Barbosa é mais conhecido, morreu nove meses depois de chegar à África, de malária. Segundo historiadores, era de uma família rica – o pai era um grande fazendeiro – e estudara na França. Já João Dias Mota, que também morreu de malária, tinha uma fazenda onde se hospedavam muitos viajantes, inclusive Tiradentes. Há relatos de que também seria o único de quem se teria uma imagem confiável.

“Poucas pessoas tiveram acesso ao processo de degredo. Ninguém soube direito o destino deles”, lembra o professor aposentado da UFMG Márcio Jardim, autor de “Inconfidência mineira - uma síntese factual”. “Domingos e Mota foram para Cabo Verde. Costa foi primeiro para Guiné-Bissau e depois para Cabo Verde. Os três foram reunidos na Ilha de Santiago em janeiro de 1793. Lá ninguém sabia qual era a sentença deles.”

Em 1932, os corpos dos inconfidentes foram exumados a pedido do Brasil e identificados a partir de relatos de uma moradora, que dizia ter ouvido a história sobre a origem dos três de sua família.

[Ao lado, o crânio de José de Resende Costa reconstituído / crédito: Unicamp]

“Nos anos 1930, com a ascensão de Vargas, buscou-se recuperar as ossadas na África com o apoio do governo de Minas Gerais. O historiador Augusto de Lima Junior foi responsável pela pesquisa na África e traslado para o Brasil”, contou o historiador André Figueiredo Rodrigues, que escreveu dois artigos para a Revista de História de abril, citando inclusive que José de Resende Costa, para proteger o seu patrimônio ao ser preso em 1791, casou a sua filha com um sócio em um negócio envolvendo ouro.

A pesquisadora Carmem Silva Lemos, que trabalha no Museu da Inconfidência e é uma das responsável por esse reconhecimento, afirmou que houve muito questionamento sobre a identidade das ossadas porque o processo tinha se baseado em relatos orais de uma indígena. A testemunha mostrava, contou a pesquisadora, o local onde eles estavam enterrados e afirmava que eles eram os deportados do Brasil na época da rainha D. Maria I.

“Quando as ossadas chegaram ao Rio, no final de 1936, ocorreu uma grande comoção. Vargas as recebe e há até um cortejo. Ficam até julho de 1938 no Rio e depois vão para Ouro Preto. Há uma discussão sobre onde elas deveriam ficar e vão para a Igreja Matriz. Depois, o prédio é transformado no Museu da Inconfidência”, contou Carmem, lembrando que no início dos anos 1970 houve uma tentativa de mandar os restos mortais para o museu, mas ainda não havia confiança.

A confirmação só veio com exames de todos os tipos, a cargo da equipe do professor Eduardo Daruge, doutor em odontologia legal, que desde 1993 – logo após o bicentenário de morte de Tiradentes – trabalha nessa empreitada. Daruge afirma que há entre 98% e 100% de certeza de que as ossadas são dos três inconfidentes. O primeiro passo no processo de identificação foi separar as peças ósseas. Segundo o Instituto Brasileiro de Museus, “havia fragmentos de ossos, terra, pedras, pedaços de jornal picado, fios de cabelo e outros materiais”. A pesquisadora Carmem contou que em 1989, quando veio fazer pesquisas no Rio de Janeiro, havia visto as ossadas em caixas e urnas perto de jornais, sem muito cuidado, no Arquivo do Itamaraty, na vizinhança da Central do Brasil.

Depois de separar as peças, a equipe começou a montar um verdadeiro quebra-cabeça. Analisou cada fragmento dos ossos por cor, espessura, formato, anatomia, e conseguiu separar os materiais para três pessoas diferentes. Em seguida, foi a vez dos exames de densitometria óssea e radiográfico – este último que consegue medir a idade do organismo. Por fim, conseguiram reconstituir um dos crânios – os demais esqueletos tinham apenas a calota craniana – juntando cerca de 140 fragmentos ósseos, e, por meio de uma tomografia computadorizada. A University College London ajudou também ao fornecer um programa de constituição de faces, que permitiu remontar o rosto que seria de José de Resende Costa (imagem acima).

“A Inconfidência Mineira tem uma importância muito maior do que sabemos”, argumenta o professor Márcio Jardim, que acha representativo essa cerimônia acontecer no dia que se comemora a revolta. “Foi um movimento de grande significado. Foi uma das causas da independência”, argumenta para concluir: “A Corte mudou de postura em relação ao Brasil.”

“É simbólico enterrá-los em 21 de abril”, concorda a pesquisadora Carmem em relação à data escolhida. “Mesmo que a questão do nacionalismo seja ultrapassada, não há como não reverenciar a Inconfidência Mineira. Ela tem uma eficácia histórica enorme. Serve a vários discursos. De direita, de ultradireita, de esquerda, de ultraesquerda, da maçonaria”, defende. “Há movimentos mais rebeldes e mais violentos, mas a aura da inconfidência ficou muito bem firmada. Está ligada à fundação da nação e do ideal de liberdade. Não à toa Tancredo foi enterrado no dia 21 de abril.”

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