31.5.11

Os Alemães Tucidideanos


Niebuhr


Barthold Georg Niebuhr

“...o primeiro historiador verdadeira e propriamente, segundo nosso conceito e de qualquer ponto de vista. é Tucídides. Ele é o historiador mais completo dentre aqueles que escreveram em todas as épocas e é ainda o maior, o Homero da historiografia”. ... A Guerra do Peloponeso é a mais imortal de todas as guerras porque encontrou o historiador maior de todos os termpos. Tucídides atingiu o cume da historiografia seja no que respeita à rigorosa firmeza histórica seja no que respeita à viva exposição”. [Vorträge über alte Geschichte (I. p. 203-4, citado por Claudia Montepaone: p. 45-46) e Vorträge über alte Geschichte, II. p. 42 – Montepaone 53].

Leopold von Ranke:

“... neste sentido, podemos dizer, por exemplo, que Tucídides, verdadeiro criador da historiografia, continua sendo, a seu modo, uma figura insuperada e insuperável. ... Ninguém poderia, como dissemos, ter a pretensão de superar a grandeza de Tucídides como historiador”[1] [Sobre las Epocas en la Historia. Conferencia segunda in RANKE, Leopold von, Grandes Figuras de la Historia, una antologia, 2ª ed., traducción de Wenceslao Roces, Mexico, Biografias Grandesa, 1954, p. 61 e 63]

Eduard Meyer

“El resultado de nuestras consideraciones, poniendo ya punto final a ellas, puede resumirse en las seguientes palabras: por mucho que se intente dar a la historia otro contenido y asignarle otras funciones, y por mucho también que el objeto material del interés histórico pueda desplazarse en el curso del tiempo, sigue existiendo, hoy como antes, un solo modo de escribir la historia y de tratar los problemas históricos: el mismo que el ateniense Tucídides puso en práctica por vez primera y de que él mismo dio ejemplo, con una perfección que ninguno de sus sucessores, hasta hoy, ha logrado sobrepasar” [Kleine Schriften zur Geschichtstheorie und zur wirtschaftlichen und politischen Geschichte des Altertums, Halle, 1910 / El historiador y la Historia Antigua, traducción directa del alemán por Carlos Silva, México-Buenos Aires, 1955, p. 52-53]

II – Cartas de Barthold Georg Niebuhr

16 de novembro de 1794

“Hensler acalenta idéias a respeito de minha futura carreira, com as quais não estou de pleno acordo. Ele gostaria que eu me tornasse um filósofo natural, e tomasse a história natural da Antiguidade como o objeto especial de minhas investigações. Trata-se de uma boa, digna e bela ocupação para os que a apreciam; mas, pelo peculiar direcionamento de minha mente e talentos, acredito que a natureza pretende que eu seja um homem de letras, um historiador dos tempos antigos e modernos, um estadista, e talvez um homem do mundo; conquanto que este último, queira Deus, nem no sentido estrito do termo nem naquele horroroso que usualmente se lhe associa. Entrementes, meu pendor individual certamente se imporá; e, se meu nome vier a ser celebrado, gostaria de ser conhecido como um historiador e escritor político, como um antiquarista e filólogo”

21 de novembro de 1804

“Invejo-vos as reminiscências de vossa viagem à Itália. Me é penoso pensar que eu jamais venha a ver a terra que foi o teatro dos feitos com os quais eu possa talvez proclamar uma mais próxima familiaridade do que qualquer um de meus contemporâneos. Estudei a história romana com todo o empenho de que minha mente tem sido capaz em seus momentos mais felizes, e acredito que possa afirmar esse conhecimento sem vaidade. Essa história comporá também, se me puser a escrever, o objeto da maioria de minhas obras...

A contemplação de obras de arte, em particular as pinturas, ter-me-ia deliciado tanto quanto a vós. As estátuas produzem pouco efeito em mim; minha visão é muito fraca, e não pode ser fortalecida por óculos, para superfície de uma só cor, como o pode para as pinturas. Assim, um quadro, uma vez tendo-o visto, tomo posse dele – jamais ele sai de minha imaginação. A música me é, em geral, bem desagradável, uma vez que eu não consigo concentrá-la em um ponto, e tudo que é fragmentário oprime minha mente. Por isso, também, não sou um matemático, mas um historiador; pois, a partir dos aspectos singulares subsistentes, consigo compor um quadro completo e saber onde faltam grupos e como suplementá-los. Acredito que seja este também o vosso caso, e bem gostaria que pudesses, como eu, aplicar vossas reflexões sobre os acontecimentos passados, fixar as imagens na tela, e então empregar vossa imaginação, trabalhando apenas com os verdadeiros matizes históricos, a dar-lhes coloração. Tomai a história como vosso assunto: trata-se de objeto inesgotável, e ninguém têm idéia o quanto, aquilo que parece perdido, pode ser restaurado com a mais clara evidência. A história moderna ne vaut pas le diable. Acima de tudo, leia Tito Lívio sempre. Prefiro-o infinitamente a Tácito, e alegro-me em saber que Voss têm a mesma opinião. Não há outro autor que exerça tão gentil despotismo sobre os olhos e os ouvidos de seus leitores, quanto Tito Lívio entre os romanos e Tucídides entre os gregos. Quintiliano qualifica a abundância de Tito Lívio ‘doce como o leite’ e sua eloquência ‘indescritível’; a meu juízo, ainda, iguala, e frequentemente mesmo supera, a de Cícero. Este último, ficou aquém do gênero – ele possuía infinita agudeza, intelecto e espírito; il faisait du génie avec de l’esprit, como Voltaire; mas ele buscou uma riqueza de estilo para a qual faltava-lhe aquela celeste serenidade do intelecto, que Tito Lívio, como Homero, deve ter possuído, e, entre os modernos, Fénelon e Garve, em dose incomum. Bem distinto era Demóstenes, que sempre foi conciso, como Tucídides. E ascender à concisão e vigor de estilo constitui o ponto mais alto a que nós modernos podemos alcançar; pois não podemos escrever com toda nossa alma: e assim não podemos ter esperanças em um outro poema épico perfeito. Quanto mais veloz bate a pulsação do mundo, tanto mais se é compelido a mover-se em epiciclos, tanto menos podemos dispor do clamo e portentoso repouso do espírito.”

15 de agosto de 1812, Ao Conde Adam Moltke

Mas, por um lado, devo delinear o esboço de uma série de preleções para o inverno a respeito das Antiguidades Romanas como preparo de minhas idéias para a História; e, de outro, entendo como benéfica a mudança de assunto, e a Grécia me seduz agora com encantos tão forte quanto os que me tomavam em minha juventude. Oh! o quão seria estimada a filologia, se as pessoas conhecessem o prazer mágico que há em viver e mover-se em meio às mais belas cenas do passado! A mera leitura compõe sua menor parte; o melhor está em sentir-se familiar a Grécia e Roma durante seus mais amplamente diversos períodos! Quero escrever história com tal vivacidade, a tanto deslocar imagens vagas por bem definidas, a tanto desenredar representações confusas, que o nome de um grego da época de Políbio e Tucídides, ou de um romano dos tempos de Catão ou Tácito, pudesse de imediato trazer à mente a idéia fundamental de seu caráter. Que eu tenha êxito em meu propósito!

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Mas a História Romana não será negligenciada. O que mais provavelmente me retém é a dificuldade de encontrar mapas militares suficientemente bons, sem o que haveria muito que mal pudesse ser descrito. Fantasia e divinação podem com certeza frequentemente acertar o alvo; mas elas não podem tão imperiosamente obter aceitação.

Niebuhr / Tucídides

O primeiro historiador verdadeira e propriamente, segundo o nosso conceito e de qualquer ponto de vista é Tucídides. Ele é o historiador mais completo dentre aqueles que escreveram em todos os tempos e é ainda o maior: é o Homero da historiografia. Deve certamente pressupor a história analística, já que narra tudo com a precisa indicação do ano, indica com números precisos toda a série dos acontecimentos: por exemplo diz que um certo número de anos antes da guerra foi construída a primeira galera, e indica com precisão as datas do ano a propósito das fundações das cidades na Sicília. Quando faz uma afirmação similar não é necessário sublinhar que não o faz certamente com leviandade, mas sim com prudência e escrúpulo, e é suficiente o fato mesmo de que tenha expresso estes dados para afirmar que os retinha por válidos. Ele podia certamente equivocar-se, podia tropeçar em falsas indicações cronológicas, mas certamente não é concebível que ele tivesse querido seguir e apresentar suas fantasias pessoais. O simples fato de ele indicar os dados dos anos demonstra que não havia uma literatura histórica, mas sim tabelas em que vinham relatados os acontecimentos da história grega. Mas de que época fossem estas tabelas e desde quando haviam iniciado a indicar os anos é uma outra questão.

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Se avançarmos mais tempo adentro encontraremos que ele, que até agora expressara-se com segurança, a propósito dos tempos mais antigos, anteriores à Guerra de Tróia, fala com uma explícita indeterminação. No que concerne à época da Guerra de Tróia, atêm-se apenas a Homero, e emprega phaínetai, sem exprimir precisamente aquilo que ele pensa, ele considera a Guerra de Tróia como um acontecimento que não pode ser avaliado exatamente como histórico, mas o qual ele não refuta, limitando-se porém a considerá-la assim como é. Ele acredita na expedição dos gregos contra os troianos com uma convicção maior do que a nossa, ou porque seu ponto de vista é influenciado pela opinião pública ou porque não ousa expor aquilo que ele pensa sobre a realidade desta história, uma vez que os sesus contemporâneos não teriam suportado formulações públicas desta dúvida. Mas está claro que ele deixa este período de tempo totalmente indeterminado; ele argumenta acerca das causas de ter a guerra assim se alongado por tanto tempo, acerca dos séquitos, acerca da consistência da frota grega, acerca de como se deslocara in loco, e retirava tudo isto das indicações da poesia homérica, que considerava como verdade incondicionada, mesmo que talvez não pudesse legitimar claramente este juízo.

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A Guerra do Peloponeso é a mais imortal de todas as guerras porque encontrou o maior historiador de todos os tempos. Tucídides alcançou o ápice da historiografia seja no que respeita à rigorosa certeza histórica seja no que respeita à exposição viva. Neste último sentido poder-se-ia talvez confrontar com ele Tácito, caso dispuséssemos dos livros faltantes de suas Histórias: porque pelos que temos ele não era participante e atuante nos fatos descritos como o foi Tucídides no período em que ele expõe a sua obra. Mas Tácito não era assim livre de imposições e intuitivo. Tucídides é onipresente e acompanha tudo. Nisto é único. Talvez Lívio nos livros finais, naturalmente de modo totalmente outro, teve um similar carter intuitivo. Salústio o tem em seus discursos e talvez mais em geral nos livros perdidos. A crítica que precedentemente foi movida contra Tucídides é a mais desenxabida: nele e em Demóstenes cada palavra é plenamente calibrada.

Tucidide nela Storiografia Moderna, a cura di C. Montepaone, G. Imbruglia, M. Catarzi e M.L. Silvestre. Napoli, Morano Editore, 1994, p. 44-53.

Fonte: http://www.fflch.usp.br/dh/heros/antigosmodernos/seculoxix/niebuhr/filologico.htm