2.7.13

Manifestantes adotam máscara de 'V de Vingança' como símbolo de protestos



Acessório é inspirado no revolucionário histórico inglês Guy Fawkes


Máscara usada por um personagem de quadrinhos foi popularizada em 2006 pelo filme V de VingançaFoto: AP



Defensor da liberdade, o revolucionário inglês Guy Fawkes comandou, em 1605, uma tentativa de explodir as Casas do Parlamento e tomar o poder na Inglaterra. O golpe fracassou, mas desde um ano depois da execução e esquartejamento do ídolo anarquista e sete dos seus companheiros (em 1606), todo dia 5 de novembro é comemorado com festas e fogueiras no Reino Unido. Fawkes virou personagem de quadrinhos e inspirou o filme V de Vingança, lançado em 2006, principal responsável pela popularização das sinistras feições.



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A história por trás da máscara começa quatro séculos antes. Coube a um reduzido grupo de conspiradores do partido católico inglês lançar-se naquela que foi a primeira tentativa de cometer um grande ato terrorista na cidade de Londres. As autoridades, alertadas por um informante, conseguiram a tempo impedir uma explosão que, marcada para o dia 5 de novembro de 1605, faria voar pelos ares o prédio do Parlamento com praticamente todo o governo britânico de então: o rei, a nobreza e os parlamentares.



Conflito com Roma
A Reforma religiosa na Inglaterra assumiu uma característica muito particular. Na verdade, o rompimento da monarquia Tudor com o Papado e com o Catolicismo não se deveu a motivos teológicos maiores, mas sim por razões de estado. O rei Henrique VIII entrou em choque com a Cúria Romana em razão do papa negar-se a consentir no seu divórcio com a rainha Catarina de Aragão, uma princesa católica que era sobrinha de Carlos V, o Imperador Universal em cujo reino, diziam, "o Sol nunca se punha". E não o fez para não desgostar o imperador, campeão da Contra-Reforma na luta anti-heresia luterana.

Manifestante participa de protesto em Salvador usando máscara inspirada no soldado britânicoFoto: Raul Golinelli / Futura Press





A infeliz rainha, depois de ter dado a luz a uma menina (que após a morte do rei, em 1547, veio a tornar-se a rainha Mary I, apelidada de Maria, a sanguinária), sofrera uma série de abortos que impossibilitaram o nascimento futuro de um príncipe.



Henrique VIII passou a creditar a sua infelicidade de não ter um herdeiro do sexo masculino ao fato da sua mulher ter sido esposa do seu falecido irmão. Frente ao Papa, ele alegou que vivia com ela em provável estado incestuoso, daí Deus castigar o casal daquela maneira. Ora, esposar a cunhada de modo algum prefigurava uma ilicitude ou estado pecaminoso pelo direito canônico ou mesmo pelo direito costumeiro saxão.



O papa Clemente VII rejeitou-lhe definitivamente a solicitação de anulação do matrimônio. O monarca, furioso com a teimosia legalista de Roma e perdidamente apaixonado pela jovem Ana Bolena, que freqüentava a corte, decidiu-se pelo rompimento.



Rompendo com a Igreja Católica
Em 1532, Thomas Cromwell, o seu primeiro ministro, determinou a entrada em vigor do Ato de Submissão do Clero, obrigando os padres católicos a reconhecerem no monarca a sua única autoridade, superior a do papa; no ano de 1534, pelo Ato da Supremacia, o rei inglês tornou-se chefe da igreja católica na Inglaterra (denominada desde então de Anglicana), pelo Ato da Supressão dos Mosteiros, de 1535, todos eles foram fechados e suas propriedades confiscadas e absorvidas pela Coroa ou vendidas aos favoritos da Corte.

Manifestantes com a máscara do filme V de Vingança protestam em NiteróiFoto: AFP





Assim, num curto período, a Igreja romana viu-se nacionalizada deixando de exercer qualquer influência significativa junto a Coroa inglesa. Desta forma a monarquia Tudor entrou no rol dos inimigos do Papado, um perigo a ser esconjurado no futuro.



Quando, por fim, a rainha Isabel I (Elizabeth), foi entronada em 1558, o Papado classificou-a como bastarda por ser a filha de Ana Bolena, cujo casamento com Henrique VIII o catolicismo não reconhecia. Aos olhos de Roma era uma soberana ilegítima. Não só isto, pelo Ato de Excomunhão, o papa determinou que a rainha, devido sua inclinação pelo protestantismo e o apoio que dava aos calvinistas da Holanda e aos Huguenotes na França, poderia ser morta por qualquer católico sem que ele tivesse que amargar as culpas do pecado do assassinato.



A crise maior com o mundo católico, a mais perigosa delas, eclodiu quando Isabel I ordenou a execução da sua prima Mary Stuart, rainha da Escócia, que se encontrava há 19 anos sob custodia real num castelo do interior da Inglaterra depois de ter fugido do seu reino. Mary, mesmo em prisão domiciliar cumprida em diversos castelos, havia se envolvido com conspiradores católicos que queriam-na no trono da Inglaterra.



O complô católico
Imaginaram eles, pelo menos este era o intento da conspiração de Throckmorton, de 1583, de que se fosse possível derrubar Isabel I num complô, com apoio a Espanha contra-reformista, a bela Mary assumiria a coroa da Inglaterra e esmagaria a heresia no seu próprio berço. O plano foi descoberto e a pobre Mary foi sentenciada à morte em fevereiro de 1587 no Great Hall de Fotheringhay.

Jovens adotam máscara para pedir redução da passagem de ônibus e mudanças sociaisFoto: Marcelo Pereira / Terra





A decapitação da rainha católica foi o pretexto que faltava para que Filipe II, rei da Espanha, o condestável do papado, determinasse a invasão do reino de Isabel I. Para tanto mandou preparar uma imensa frota de mais de cem navios, chamada imprevidentemente de "Invencível Armada", para atacar a Inglaterra. A operação naval revelou-se um grande desastre, um dos maiores da história naval. A esquadra católica foi destroçada pela conjunção de temporais com ataques concatenados pelos almirantes ingleses. A Inglaterra viu-se a salvo da invasão.



O conflito teológico que separava católicos e protestantes saltou assim de patamar. Até aquele episódio, os rivais de fé lutavam dentro dos seus respectivos reinos (várias guerras civis haviam eclodido na Alemanha e na França) a partir de então eram reinos inteiros que entravam em guerra entre si, preparando o caminho para a grande tragédia que se deu quase em seguida: a Guerra dos Trinta anos (1618-1648), uma guerra pan-européia entre estados protestantes contra estados católicos.



A conspiração da pólvora
Todavia, mesmo com o fracasso da conspiração montada ao redor de Mary Stuart, os católicos liderados por Robert Catesby não desistiram de atentar contra o trono inglês.



Frustrados com a política repressiva antipapista do novo rei, Jaime I (filho de Mary Stuart que ascendera ao reino britânico no lugar da sua prima de segundo grau Isabel I, unindo assim as duas coroas, a escocesa e a inglesa, formando o United Kindom), que determinara a expulsão de todos os padres, um reduzido grupo de conspiradores chefiados por John Grandt, decidiu explodir o prédio em que se reunia o parlamento britânico (*).



A data escolhida por eles era exatamente o dia em que o rei Jaime estaria presente para pronunciar a fala da abertura das atividades da House of Parliament, o 5 de novembro, esperando, num só golpe, por tudo pelos ares: o monarca e os parlamentares.

Na ilustração, o rei Jaime I interroga Guy Fawkes antes de sua execuçãoFoto: Getty Images





Paralelamente a isso, eles fomentariam uma revolta do partido católico no norte do reino e até cogitaram em receber apoio da esquadra espanhola. No trono vacante imaginavam colocar a princesa Isabel, a filha católica de Jaime I. Todavia, eles foram denunciados por uma integrante do grupo que se fazia passar por conspirador. As autoridades prenderam em flagrante o soldado Guy Fawkes, um mercenário que estivera a serviço da Espanha, quando ele acertava a posição de um dos 36 barris de pólvora empilhados no porão do prédio a ser explodido. Ao abortarem a tempo o atentado evitaram que o ato terrorista, numa só explosão, decapitasse os dois poderes do Reino Unido: o rei e os deputados.



Foi a partir de 1607, um ano depois da execução e esquartejamento de Guy Fawkes e sete dos seus companheiros, ocorrida em 30 de janeiro de 1606, que a população de Londres começou a celebrar o fracasso do atentado a cada dia 5 de novembro por meio da Bonfire Night, noite em que acendem fogueiras e lançam fogos de artifício para externar seu contentamento. Guy Fawkes tornou-se a representação simbólica do traidor, do Judas capaz de entregar a Grã-Bretanha às potências do catolicismo inimigo: a Espanha e o Papado.



Católicos como Judas
Deste modo explica-se a pouca presença do anti-semitismo na Inglaterra ao fato de terem sido os católicos, como Guy Fawkes, quem assumiram a desgraçada função de serem os possíveis bodes expiatórios do reino visto a participação deles na abortada conspiração da pólvora.



(*) Os principais conspiradores eram: Robert and Robert Wintour, Thomas Percy, Christopher and John Wright, Francis Tresham, Everard Digby, Ambrose Rookwood, Thomas Bates, Robert Keyes, Hugh Owen, John Grant (o homem que foi o verdadeiro cabeça da conspiração), e Robert Catesby.



(**) Coincidentemente, 380 anos depois do fracasso da Conspiração da Pólvora, por igual foi um grupo de católicos, os militantes do IRA ( o Exército Republicano Irlandês), quem tentou exterminar com uma bomba-relógio a Primeira Ministra britânica Margaret Tatcher, por ocasião de uma reunião do partido conservador e do gabinete de governo realizada no Grand Hotel de Brighton no sul da ilha da Inglaterra, num atentado cometido em 12 de outubro de 1984 que matou 5 pessoas e feriou 30 outras, sem que a srª Tatcher fosse todavia atingida.

Mascarado, manifestante mostra a bandeira do Brasil em frente a uma barricada de lixo em chamas no RioFoto: AP


Fonte: Terra