18.11.13

Como funcionou a KGB

por Sílvio Anaz

Introdução sobre a KGB


O russo Oleg Danilovich Kalugin foi um dos mais populares playboys em Nova York nos anos 1960. Ele chegou a Manhattan em 1958, com 24 anos de idade e com uma bolsa de estudos da Fundação Fulbright para estudar jornalismo na Universidade de Columbia. Logo se tornou um dos mais populares estudantes do campus e nos anos seguintes um assíduo frequentador de festas e da vida noturna novaiorquina. Kalugin fez amizades importantes, principalmente com gente ligada ao governo norte-americano. O que ninguém sabia era que ele era um espião da KGB (sigla em russo para Comitê de Segurança do Estado), o serviço secreto da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).




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Os espiões da KGB geralmente se disfarçavam de jornalistas, homens de negócios ou diplomatas



Em plena Guerra Fria, Kalugin descobriu importantes segredos dos Estados Unidos e de seus aliados, antes dele ser descoberto em 1970 e ter de voltar para Moscou, onde tornou-se o mais jovem general da KGB. O sucesso da espionagem internacional de Kalugin mostra por que a KGB foi um dos mais temidos e eficientes serviços secretos do mundo. Durante décadas muito pouco se soube sobre essa agência de espionagem soviética e apenas após o fim da URSS, nos anos 1990, foi possível conhecer mais sobre ela. Enquanto existiu, de 1954 até 1991, a KGB foi responsável pela espionagem internacional soviética e também cuidou da proteção aos líderes do país, da supervisão de tropas nas fronteiras e da vigilância das populações que faziam parte da União Soviética.

Órgão ligado ao Partido Comunista, a KGB formou uma legião deespiões famosos, entre eles Vladimir Putin, presidente da Rússia entre 2000 e 2008 e atual primeiro-ministro do país. Também empreendeu ousadas missões de espionagem no exterior com a mesma criatividade que eliminou seus ex-espiões ou os dissidentes dos países comunistas sob influência da União Soviética, como no caso do escritor búlgaro Georgi Markov que morreu após ter sua perna ferida pela ponta de um guarda-chuva envenenado enquanto esperava um ônibus em Londres em 1978.

A KGB foi a agência de segurança soviética que teve a vida mais longa dentre todas as criadas desde o surgimento da União Soviética com a revolução bolchevique de 1917. De suas antecessoras ela herdou a experiência e métodos cruéis de eliminação de adversários, como o usado pela NKVD, que contratou o espanhol Ramón Mercader para ir ao México e em 20 de agosto de 1940, usando uma picareta, assassinar com um golpe na cabeça Leon Trotsky, um dos mais importantes líderes da revolução bolchevique e ex-comandante do Exército Vermelho soviético. Na próxima página, saiba como surgiu a KGB e como foram seus primeiros anos de atuação antes da Guerra Fria esquentar de vez.






FSB, a sucessora da KGB
Com o fim da União Soviética em 1991, a KGB na Rússia foi dividida em vários serviços de segurança. A preocupação com a herança da KGB era tal que o presidente russo Boris Yeltsin supervisionou diretamente o desmantelamento da antiga agência de espionagem soviética. Mas os antigos líderes da KGB não foram julgados pelos crimes que cometeram durante o período soviético. Os outros países que faziam parte da extinta União Soviética, como Ucrânia e Bielo-Rússia, também transformaram suas sucursais da KGB em outras agências de segurança, algumas delas mantendo ligações com a sucessora russa da KGB: a FSB (sigla em russo para Serviço Federal de Segurança). Criada em 1994, a FSB foi presidida até o ano 2000 por Vladimir Putin, um ex-oficial da KGB que viraria presidente e depois primeiro-ministro da Rússia. Segundo o historiador russo Yuri Felshtinsky, a FSB tem mais poderes e autonomia do que a extinta KGB e é um dos órgãos mais temidos na Rússia. A FSB estaria envolvida na morte de Alexander Litvinenko, ex-agente da KGB assassinado na Inglaterra por contaminação com plutônio em 2006, na luta contra os separatistas na Chechênia e na invasão pelas tropas russas da Geórgia e do território da Ossétia do Sul, em 2008.







KGB: a origem da máquina de espionar soviéticaA KGB surgiu nos anos 1950 como fruto de quase quatro décadas de experiências dos soviéticos em espionagem internacional e também em vigilância e repressão interna a contrarrevolucionários, dissidentes e adversários políticos de quem estava no poder na União Soviética. A primeira agência de segurança criada pelos revolucionários bolcheviques quando assumiram o poder na Rússia em 1917 foi a Cheka (sigla em russo para Comitê Extraordinário Russo para Combate à Contrarrevolução e Sabotagem). Durante a Guerra Civil russa, que durou de 1918 a 1920 enquanto os opositores dos bolcheviques (burguesia, clero e nobreza) com apoio de nações estrangeiras tentaram combater a revolução, a Cheka teve um papel fundamental na perseguição, prisão e execução daqueles que os bolcheviques consideravam inimigos do estado. A abertura dos arquivos soviéticos na década de 1990 revelou que a Cheka tinha cerca de 250 mil integrantes e foi responsável pela perseguição e execução de cerca de 140 mil pessoas.




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Edifício que foi sede da KGB e abriga atualmente a FSB


A escalada de terror implantada pela Cheka assustou até mesmo os líderes bolcheviques que acabaram com ela em 1922 e criaram no seu lugar a OGPU (sigla em russo para Administração Política do Estado Unificado). No fim, ela acabou sendo tão cruel quanto sua antecessora e, além das atribuições da extinta agência, tinha também sob sua responsabilidade administrar os campos de trabalho forçados e vigiar toda a população do território soviético. A OGPU foi usada por Joseph Stalin, então líder máximo da URSS, para implantar a coletivização forçada da agricultura e a deportação dos inimigos políticos e de todos que ousassem contestar o regime para os "gulags" (campos de concentração onde eles ficavam presos e muitas vezes acabavam executados). Nos anos 1930, a OGPU virou a NKVD (sigla em russo para Comissariado Popular de Assuntos Internos), um dos órgãos mais poderosos do regime soviético, tendo sob seu controle uma ampla rede de informantes em fábricas e o Exército Vermelho, entre outros órgãos de segurança. A NKVD foi essencial para consolidação do poder de Stalin e ficou encarregada dos expurgos que o ditador fez no Partido Comunista e no Exército Vermelho que resultaram na execução de 750 mil pessoas entre 1937 e 1938.




Após o assassinato de Trotsky, a NKVD foi dividida e os assuntos relativos à espionagem ficaram a cargo do Ministério de Segurança do Estado. Esse Ministério comandou os serviços de espionagem e contraespionagem soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial, além de administrar os campos de prisioneiros de guerra. No âmbito interno, ele foi responsável pela prisão de quase três milhões de cidadãos soviéticos por motivos políticos e de manter no exílio interno outros três milhões, eliminando qualquer vestígio de oposição. O Ministério de Segurança do Estado foi responsável por audaciosas missões de espionagem contra os nazistas e manteve agentes infiltrados no programa americano de desenvolvimento de armas atômicas. O apoio de simpatizantes ideológicos do socialismo colaborou para o sucesso da espionagem soviética nos Estados Unidos e nos países aliados durante a Segunda Guerra Mundial e logo depois do final dela. Com a morte de Stalin em 1953 e a ascensão ao poder de Nikita Khrushchev, o sistema de segurança soviético foi reformulado, com a liberação de milhões de prisioneiros políticos e a criação da KGB.

Para evitar o excessivo poder que suas antecessoras tiveram, a KGB foi criada subordinada diretamente aos principais líderes do Partido Comunista. Dividida em 20 áreas, chamadas de "diretorados", as mais importantes eram aquelas responsáveis pela espionagem internacional, contraespionagem, proteção das lideranças políticas e segurança das fronteiras. Durante aGuerra Fria, a KGB expandiu-se a ponto de tornar-se a maior agência de espionagem mundial, ao lado da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos. Nesse período, uma de suas maiores preocupações e o principal objetivo em suas missões era obter segredos militares e científicos no Ocidente. Uma importante vantagem da KGB sobre a CIA era que a agência soviética centralizava a espionagem externa e a vigilância interna, enquanto que nos Estados Unidos essas missões eram divididas entre a CIA e o FBI.

À medida em que a Guerra Fria entre União Soviética e Estados Unidos esquentava as missões de espionagem internacionais da KGB tornavam-se de suma importância para a sobrevivência do regime soviético. Descubra como a KGB atuou durante o auge da Guerra Fria na próxima página.



A importância da KGB durante a Guerra Fria



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Medalha dada a oficiais da KGB



Um dos principais aspectos daGuerra Fria, que se estendeu desde logo após a Segunda Guerra Mundial até o fim da União Soviética nos anos 1990, foi a disputa entre as principais agências de espionagem das duas superpotências em missões de roubo de segredos militares e ações de contraespionagem. Nesse cenário, a KGB assumiu gradualmente uma importância e um poder inigualáveis na União Soviética.

A KGB nasceu em 1954 já com um enorme trunfo. A agência que a antecedeu tinha conseguido infiltrar agentes no Projeto Manhattan - que levou à construção das primeiras bombas atômicas pelos Estados Unidos - e apenas quatro anos após os americanos conseguirem desenvolver a tecnologia das armas nucleares, os soviéticos também chegaram lá, graças principalmente a uma rede de espiões na América do Norte e na Inglaterra, que incluía o físico alemão naturalizado inglês Klaus Fuchs. Laurenti Beria era o principal chefe da espionagem soviética na época e seu poder era tal que ele tentou assumir o governo soviético com a morte de Stalin. Conseguiu durante um curto período, mas o Partido Comunista retomou o controle, colocando Nikita Khrushchev no poder e executando Beria e todo o alto escalão dos serviços de segurança ligado a ele. Khrushchev reformulou todo o aparato de segurança e criou a KGB cuja ênfase passou a ser atuar em missões de espionagem fora da União Soviética e nos países do bloco socialista na Europa Oriental junto aos serviços secretos locais, mas sem abandonar as atividades de contraespionagem e de vigilância interna dos cidadãos soviéticos.

Principal inimiga da CIA, a KGB treinava seus agentes para atuarem disfarçados como diplomatas, jornalistas ou homens de negócios, principalmente. Dessa forma, eles conseguiram se infiltrar nas maiores operações de espionagem e atuaram nas principais cidades ocidentais. Uma das prioridades de suas missões era obter informações técnicas e científicas dos projetos militares ocidentais. Graças ao trabalho eficiente de seus agentes, a KGB conseguiu manter o desenvolvimento militar soviético parelho com o dos Estados Unidos, ao levar para Moscou segredos e projetos de aviões, submarinos e foguetes norte-americanos e de seus aliados. Um dos grandes sucessos da KGB de espionagem industrial fora da área militar foi o roubo na década de 1960 do projeto do Concorde, o avião supersônico francês. Para surpresa do Ocidente, em dezembro de 1968, os soviéticos puseram no ar o avião supersônico Tupolev TU-144, o primeiro avião comercial a ultrapassar a barreira do som.

Mas não era só contra os adversários da União Soviética que a KGB agia. Ela também exercia sua vigilância nos países aliados da União Soviética, como os pertencentes ao Pacto de Varsóvia (aliança militar dos países do bloco soviético que se opunha a OTAN). A atuação da KGB nos países do bloco socialista na Europa Oriental os manteve sob estrito controle soviético e os serviços de espionagem resultaram na invasão da Hungria e na repressão ao movimento reformista na Polônia, ambos em 1956, e na ação militar para sufocar o levante na Tchecoslováquia em 1968, no movimento que ficou conhecido como "Primavera de Praga". Foi também graças às informações obtidas pela KGB que a Alemanha Oriental decidiu construir em 1961 o Muro de Berlim.

É muito provável que a KGB no seu auge tenha se tornado a maior polícia secreta e serviço de espionagem do mundo. Calcula-se que ela tenha tido 480 mil integrantes, sendo que 200 mil atuavam nas fronteiras do bloco soviético. Além disso, ela contou com a colaboração de milhões de informantes recrutados no mundo inteiro e que vendiam informações estratégicas em troca de pagamentos às vezes regulares. A KGB fez parte da tríade de poder na União Soviética - junto com o Partido Comunista e o Exército Vermelho - durante quase quatro décadas. No final dos anos 1960, a KGB era considerada o cão de guarda do Partido Comunista e seu poder só crescia, a ponto dela recomendar, no começo dos anos 70, o envolvimento de militares soviéticos no Afeganistão e dar as diretrizes para a invasão que o Exército Vermelho promoveu no país. Na mesma época, Yuri Andropov, chefe da KGB, ascendeu até a posição de principal líder soviético.

Apesar de ter sido o auge da demonstração do poder da KGB, o envolvimento no Afeganistão foi um erro fatal para a agência e também para o governo soviético. A deserção em massa do exército afegão e a resistência de combatentes rebeldes, armados e financiados pelas potências ocidentais, levou a aventura no Afeganistão a transformar-se num pesadelo para os soviéticos, uma espécie de versão do que foi a Guerra do Vietnã para os americanos. O fiasco no Afeganistão e a pressão para acompanhar a escalada armamentista norte-americana que levaram a União Soviética a uma situação de colapso econômico nos anos 80 não poupou a KGB, que ainda teve de enfrentar várias denúncias de corrupção de seus dirigentes. A ascensão de Mikhail Gorbachev (1985–91) ao poder na União Soviética, com suas propostas de abertura política e econômica, levou ao enfraquecimento da KGB que reagiu em 1991 tentando um golpe de estado que foi imediatamente sufocado. Após isso, a KGB foi desmantelada.

Fontes:
BRITANNICA ONLINE ENCYCLOPEDIA
ANDREW, Christopher M. e GORDIEVSKY, Oleg. Comrade Kryuchkov's instructions: top secret files on KGB foreign operations. Stanford (EUA): University Press, 1993.
MIRANDA, Sérgio. KGB: Guerra Fria e Suja in Aventuras na História, edição 75, setembro de 2009