18.11.13

Eleição sul-africana elege governo do 'apartheid', a cruel política da separação oficial entre brancos e negros. A maioria sofrerá restrições para trabalhar, morar, viajar e até se casar

Eleição sul-africana elege governo do 'apartheid', a cruel
política da separação oficial entre brancos e negros. A maioria
sofrerá restrições para trabalhar, morar, viajar e até se casar

Um país, dois mundos: a Johannesburgo dos brancos, próspera e confortável (à esq.), e a dos negros, atrasada e miserável



o mesmo mês em que a conturbada Palestina era rasgada pela metade, dando origem a dois territórios ocupados por povos em conflito, outro país com histórico problemático e uma situação explosiva também começava a se dissolver. No caso da África do Sul, porém, o território nacional, no extremo sul do continente negro, permanecerá intacto. O racha deverá acontecer nas entranhas desse importante estado africano, entre uma minoria branca, que detém o poder e as riquezas, e a maioria negra, que constitui a mão-de-obra, mas vive imersa na mais desesperadora pobreza. Colonizada por europeus e habitada por uma vasta gama de culturas nativas, como as nações zulu e xhosa, a África do Sul sempre viveu dividida entre as realidades de brancos e negros, radicalmente distintas entre si. Agora, a ideologia oficial é de uma segregação institucionalizada, assegurada por políticas de estado. A separação será a lei, e cruzar essa linha será um crime.



Vida de restrições: a periferia negra de Alexandra, na maior cidade sul-africana


A promessa de um isolamento sistemático dos dois grupos foi o tema central da eleição para o parlamento sul-africano, no último dia 26. Segundo os resultados já apurados, o Herenigde Nasionale Party, também conhecido como "Partido Nacional", foi o grande vencedor, com 70 cadeiras. O Partido Unido ficou com 65 assentos, e o Partido Africâner, com nove. Uma aliança entre os partidos Nacional e Africâner deve dar origem ao novo governo, com o líder Daniel François Malan, um clérigo protestante, como seu primeiro-ministro. Todos os partidos são formados somente por brancos e com votos apenas de brancos – os negros não podem nem chegar perto das urnas. Mas havia uma diferença fundamental entre os grupos rivais na eleição: a turma de Malan fez campanha com o compromisso de implementar um conjunto de políticas cujo objetivo final é isolar de vez a população de cor. Essa linha doutrinária vem sendo chamada de apartheid, o equivalente ao termo "separação" no idioma africâner, falado pelos brancos sul-africanos.

Fadado ao fracasso - O premiê derrotado na última eleição, o marechal-de-campo Jan Smuts, um ícone da política do país, também sempre defendeu abertamente a segregação – dizia temer que a integração dos negros à política pudesse "arruinar o estilo de vida ocidental da África do Sul". O ridículo argumento, baseado na imagem surrada do africano como um selvagem indomável, manteve Smuts no poder por catorze anos. Em 1947, entretanto, Smuts começou a suspeitar que sua estratégia estivesse fadada ao fracasso. Foi quando o então premiê encomendou a confecção de um relatório sobre o verdadeiro impacto da segregação. O documento, intitulado Relatório Fagan, foi divulgado no começo deste ano, e concluía: a completa separação étnica era impossível e insustentável. A recomendação do relatório era abolir a restrição à migração dos negros nos centros urbanos, fornecendo mão-de-obra às indústrias e criando um mercado consumidor maior nas cidades. A migração não seria livre, pois o fluxo seria mantido sob controle. Mas essa ressalva não foi suficiente para convencer os eleitores brancos.

Tratados como gado: sul-africanos de cor formam fila para obter papéis de trabalho


Malan e seu partido, segregacionistas radicais, reagiram à divulgação do Relatório Fagan e lançaram o seu próprio documento, o Relatório Sauer. O texto defendia a estratégia oposta: a separação não só deveria ser mantida como também aprofundada. Era a começo da vitória do apartheid. Os trabalhadores brancos temiam perder seus empregos para os negros e votaram em massa no Partido Nacional. Outro fator relevante na vitória da legenda foi a campanha levada a cabo pelo jornal Die Transvaler, editado por Hendrik Verwoerd, outro importante defensor da segregação oficial. O tom populista da retórica de Verwoerd convenceu o eleitor do suposto risco de manter Smuts no poder. Encerrado o pleito, o eleitorado africâner respira aliviado, na ilusão de que é aceitável gozar eternamente do conforto que os negros apenas sonham em conquistar. Mas o resto do mundo civilizado acompanha o começo do novo governo de cabelo em pé: fala-se em aprovar leis proibindo casamentos inter-raciais, aumentar a reserva de empregos aos brancos, proibir a formação de sindicatos pelos negros e restringir a movimentação da maioria da população em nome da "tranqüilidade" da minoria. Se depender de Malan e Verwoerd, a África do Sul entrará na segunda metade do século XX andando de marcha à ré, acelerando firme rumo a um sinistro passado.


Fonte: http://veja.abril.com.br/historia/israel/internacional-africa-do-sul-apartheid.shtml