11.8.14

Primeira Guerra Mundial: A crise de Julho de 1914





awrence Soundhaus




CRONOLOGIA

28 de junho. A Mão Negra assassina o arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo;

3 de julho. A Sérvia faz seu primeiro pedido de ajuda à Rússia;

5 a 6 de julho. A “Missão Hoyos” à Alemanha assegura um “cheque em branco” para o Império Austro-Húngaro;

16 a 29 de julho. O presidente francês Raymond Poincaré e seu premiê René Viviani visitam a Rússia;

23 de julho. O Império Austro-Húngaro encaminha seu ultimato à Sérvia.

25 de julho. A Sérvia rejeita partes fundamentais do ultimato; a Áustria-Hungria declara guerra (28 de julho);

31 de julho. A Rússia se mobiliza contra a Áustria-Hungria e a Alemanha;

1° de agosto. A Alemanha ordena a mobilização geral e declara guerra à Rússia; a França ordena mobilização geral;

2 de agosto. A Itália declara neutralidade;

3 de agosto. A Alemanha declara guerra à França;

4 de agosto. A Alemanha invade a Bélgica; a Grã-Bretanha declara guerra à Alemanha;

6 de agosto. O Império Austro-Húngaro declara guerra à Rússia.



De todas as crises internacionais da história, nenhuma foi alvo de um escrutínio mais meticuloso ou de um maior número de análises acadêmicas do que a Crise de Julho de 1914, que começou com o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo, em 28 de junho, e culminou em uma troca de declarações de guerra entre as grandes potências a partir de 1° de agosto. Assim que o conflito teve início, os governos de cada país buscaram reunir um registro das maquinações diplomáticas que defendiam ou justificavam suas ações e colocavam a culpa em outrem: o Império Austro-Húngaro contra a Sérvia, a Rússia contra o Império Austro-Húngaro, a Alemanha contra a Rússia, a França e a Grã-Bretanha contra a Alemanha. Por sua vez, os historiadores começaram a analisar a Crise de Julho enquanto a guerra ainda estava em andamento, desencadeando um longo debate ainda em vigor, mesmo no centenário do conflito. Os volumes de documentos diplomáticos e os milhares de estudos publicados em dezenas de línguas ao longo das décadas seguintes contribuíram para a compreensão geral da deflagração da guerra, mas, ao mesmo tempo, obscureceram alguns dos elementos centrais da Crise de Julho: a guerra começou, em primeiro lugar, por causa da Sérvia, um pequeno e ambicioso país que até certo ponto se tornara refém de elementos nocivos em suas forças armadas e que, na busca de seus próprios objetivos nacionais, inflamou todo o continente; duas das potências mais fracas, Áustria-Hungria e Rússia, se comportaram com determinação pouco característica, enraizada em suas próprias dúvidas acerca de seu futuro status como grandes potências; os líderes austro-húngaros e alemães tinham noções incompatíveis sobre a guerra que desejavam – os alemães fazendo e conseguindo o que queriam às custas de seus aliados; e, por fim, os líderes franceses, embora de início não desejassem a guerra, viram a Crise de Julho se desdobrar de tal maneira que acabou propiciando-lhes uma guerra sob as circunstâncias que consideravam as mais favoráveis.



A Mão Negra em Sarajevo, 28 de junho de 1914

Em janeiro de 1914, quando o Estado-Maior austro-húngaro definiu o cronograma de manobras militares para o ano, o arquiduque Francisco Ferdinando concordou em inspecionar os exercícios de verão dos 15° e 16° Corpos de Exército na Bósnia. Em 26 e 27 de junho, o arquiduque assistiu às manobras na companhia dos dois principais generais da Monarquia Dual, Franz Conrad von Hötzendorf, chefe do Estado-Maior, e Oskar Potiorek, governador militar da Bósnia, antes de visitar a capital bósnia, Sarajevo, com sua esposa, Sophie, no domingo, 28 de junho.

Enquanto passeava pela cidade em carro aberto, o arquiduque sobreviveu a uma primeira tentativa de assassinato por volta das dez e meia da manhã e continuou seu itinerário, e cerca de 30 minutos depois foi baleado à queima-roupa e morreu, junto com Sophie. A polícia capturou o assassino, um bósnio de 19 anos chamado Gavrilo Princip, na cena do crime, e no mesmo dia prendeu seus coconspiradores. Assim, a Mão Negra, como ficou conhecido o grupo terrorista, conseguiu eliminar seu principal alvo, depois de fracassar em atentados anteriores contra a vida de oficiais austrohúngaros na Bósnia e na Croácia. Conrad, que por anos defendera uma guerra preventiva contra a Sérvia, qualificou “o assassinato em Sarajevo [como] [...] o último elo de uma longa corrente [...]. Não foi o ato de um indivíduo fanático [...] foi a declaração de guerra da Sérvia contra a Áustria-Hungria”. Dias depois do assassinato, as autoridades austrohúngaras suspeitaram do envolvimento de oficiais da inteligência militar sérvia em geral e do coronel Dimitrijević em particular. Apurou-se que Princip e dois de seus colegas conspiradores tinham visitado recentemente Belgrado, onde haviam recebido armas e diversas bombas, uma delas atirada contra o carro de Francisco Ferdinando na primeira e malograda tentativa de assassinato na manhã do dia 28.

Uma década depois, um ministro do governo sérvio de 1914, Ljuba Jovanović, admitiu que o complô tinha sido discutido de antemão em reuniões de gabinete: “um dia, [o primeiro-ministro] Pašić nos disse […] que havia pessoas se preparando para ir a Sarajevo com o objetivo de matar Francisco Ferdinando”. Incapaz de refrear Dimitrijević e outros oficiais que apoiavam tais conspirações, àquela altura, Pašić pouco podia fazer além de instruir o embaixador da Sérvia em Viena a “dissuadir o arquiduque de fazer a viagem fatal”, sem dar uma explicação que, de alguma maneira, comprometesse o governo sérvio. A recomendação do embaixador foi tão vaga que as autoridades austríacas não conseguiram compreender seu significado e Francisco jamais recebeu o alerta. Depois do assassinato, líderes sérvios se animaram ao saber que Princip e os outros conspiradores presos em Sarajevo eram bósnios e, portanto, súditos austro-húngaros, e alimentaram a esperança de que a Monarquia Dual tratasse o crime como questão interna e não como um incidente internacional. Dimitrijević, a Mão Negra e outros extremistas podem até ter saudado com alegria a guerra com a Áustria-Hungria no verão de 1914, mas poucos de seus conterrâneos mais moderados sentiram o mesmo.

Embora tivesse obtido grandes vitórias e conquistado considerável experiência nas recentes Guerras dos Bálcãs, o exército sérvio ainda não tinha se recuperado das 130 mil baixas que sofrera, tampouco fora rearmado ou reabastecido; além disso, o país tinha dobrado de tamanho e levaria anos até que os territórios recém-adquiridos fossem integrados política e administrativamente à Sérvia. Pašić decidiu agir com cautela e, na medida do possível, distanciar o governo sérvio da Mão Negra e do assassinato. Em 3 de julho, ele fez seu primeiro apelo oficial aos russos. No dia seguinte, Serge Sazonov, o ministro do Exterior russo, endossou em São Petersburgo a postura prudente de Pašić, aconselhando a Sérvia a não fazer nada que pudesse provocar o Império Austro-Húngaro. Infelizmente, isso seria difícil para o primeiro-ministro e seus colegas do Partido Radical, que enfrentariam eleições em meados de agosto, e na Sérvia os candidatos tidos pela opinião pública como não antiaustríacos o bastante tinham poucas chances de sucesso nas urnas. Os nada conciliadores discursos de campanha de Pašić e de seus colegas, voltados para o consumo interno na Sérvia, foram citados na imprensa de Viena, aumentando o nível de indignação no Império Austro-Húngaro.

Conrad o chefe de fato do exército mobilizado para a guerra. Mesmo antes que o imperador formalizasse esse arranjo, ficou claro que a influência de Conrad tinha aumentado e que, a reboque, aumentara também a probabilidade de que a Monarquia Dual buscasse uma solução militar para a crise. De volta ao seu gabinete em Viena, em 29 de junho, Conrad informou seu Estado-Maior de que a guerra com a Sérvia era inevitável.

Naquela noite, ele se reuniu com o ministro do Exterior, o conde Leopold Berchtold, que sugeriu que o Império Austro-Húngaro exigisse que a Sérvia “abolisse certas organizações” que havia prometido extirpar.

Berchtold não se precipitou em concluir que o assassinato implicaria guerra, embora reconhecesse que o fato não podia ser tratado como crime doméstico, conforme esperava Pašić. Conrad respondeu que somente a guerra resolveria o problema sérvio e, ao longo dos dias que se seguiram a exasperação geral para com a Sérvia, converteu a seu ponto de vista a maior parte das lideranças austro-húngaras. No dia 30 de junho, Berchtold começou a limitar suas próprias opções, aceitando o argumento de Conrad de que o exército só deveria ser mobilizado se fosse lutar, e não em apoio a uma iniciativa diplomática. Isso marcou o primeiro passo na rápida transformação do ministro do Exterior em defensor da guerra.

A primeira audiência imperial de Conrad após o assassinato ocorreu em 5 de julho, um domingo, dois dias depois dos funerais de Francisco Ferdinando e Sophie. Ele encontrou Francisco José ansioso por não saber se a Alemanha apoiaria o Império Austro-Húngaro em caso de guerra, mas o único culpado era mesmo o velho imperador. Em parte porque tinha entrado em conflito com Francisco Ferdinando acerca de várias questões – em especial a insistência do arquiduque em se casar com Sophie, uma mera condessa, o que tornava seus filhos inelegíveis para o trono habsburgo –, o imperador dera ao sobrinho um funeral pouco apropriado para um homem de sua posição e negara pedidos de Guilherme II e outros dignitários estrangeiros para comparecer às cerimônias. Como resultado, Francisco José e seus ministros não tinham evidências concretas da posição alemã na questão de como a Áustria-Hungria devia lidar com a Sérvia. No decorrer da semana após o assassinato, os alemães enviaram sinais contraditórios. Se por um lado o embaixador alemão em Viena, Heinrich von Tschirschky, recomendou com insistência que Berchtold agisse com cautela, todos os outros canais formais e informais sugeriam que o clima em Berlim era de apoio a uma ação decisiva. Berchtold reconhecia a necessidade de esclarecer a posição alemã antes de dar o passo seguinte. Quando Conrad se reuniu com Francisco José, o chefe de gabinete do ministro do Exterior, o conde Alexander Hoyos, já estava em um trem rumo a Berlim com a missão de assegurar uma promessa de apoio.



O “cheque em branco” da Alemanha para o Império Austro-Húngaro



Berchtold enviou Hoyos a Berlim porque não acreditava que seu embaixador na Alemanha – Ladislaus de Szögyény-Marich, um idoso conde austro-húngaro – fosse capaz de sinalizar claramente que o Império Austro-Húngaro queria a guerra com a Sérvia. Contudo, Berchtold envolveu Szögyény na negociação com a liderança alemã, que teve início assim que Hoyos chegou a Berlim, ao meio-dia do dia 5 de julho. Szögyény se reuniu com Guilherme II enquanto Hoyos se reunia com Arthur Zimmermann, vice-ministro do Exterior alemão. Na mesma tarde, Guilherme II se reuniu com o chanceler Bethmann Hollweg e seu ministro da Guerra, o general Erich von Falkenhayn, e decidiu apoiar a Áustria-Hungria, aceitando o risco de a Rússia intervir em nome da Sérvia e mergulhar a Europa em uma guerra generalizada. Em discussões posteriores com Szögyény e Hoyos, no dia 6 de julho, Bethmann e Zimmermann reiteraram o compromisso alemão, exigiram que a Áustria-Hungria agisse e recomendaram que, pelo menos em um primeiro momento, seu acordo se mantivesse em segredo, sem ser comunicado ao seu parceiro da Tríplice Aliança, a Itália. Depois, os alemães mandaram Hoyos de volta para casa com uma garantia específica de apoio, o que permitiu que o Império Austro-Húngaro usasse o assassinato de Francisco Ferdinando como justificativa para um acerto de contas com a Sérvia.

No dia 7 de julho, Hoyos estava de volta a Viena para fazer um resumo da situação ao conselho ministerial. Os chefes dos três ministérios comuns da Monarquia Dual – o ministro do Exterior, Berchtold, o ministro da Guerra, general Alexander Krobatin, e o ministro das Finanças, Leon von Bilinski – reuniram-se com os dois primeiros-ministros, o conde Karl Stürgkh, da Áustria, e o conde István Tisza, da Hungria. Hoyos esteve presente durante as quatro horas de reunião; Conrad e o contra-almirante Karl Kailer, representando o Exército e a Marinha, foram convocados para comentar as possíveis operações militares, mas, de resto, não tomaram parte nas discussões. Depois da guerra, Conrad fez grande alarde sobre isso, alegando que não tinha participado das decisões durante aqueles dias cruciais, atuando “apenas como especialista em assuntos militares” chamado para explicar os planos de guerra após a missão de Hoyos. Mas àquela altura sua participação direta não era necessária, por conta de seu recente sucesso em converter para seus pontos de vista as lideranças civis.

Bilinski e Stürgkh tinham sido membros de seu “partido da guerra” desde a primeira Guerra dos Bálcãs, e agora Berchtold se juntava a eles ao aceitar os argumentos de Conrad. Também general, Krobatin compartilhava integralmente de suas ideias. Ao contrário dos outros chefes de Estado-Maior da Europa em julho de 1914, Conrad descreveu em detalhe seus planos de guerra para os líderes civis. Os 16 corpos de exército estavam divididos em 3 grupos: O A-Staffel incluía nove corpos, o B-Staffel, quatro, e o Minimalgruppe Balkan, três. O Plano B, no caso de uma guerra nos Bálcãs contra a Sérvia, exigia que o Exército mobilizasse sete corpos (B-Staffel mais Minimalgruppe Balkan), mas se a crise tomasse o rumo de uma guerra contra a Rússia, todo o Exército seria mobilizado para o Plano R, com 13 corpos (A-Staffel mais B-Staffel) investindo contra os russos, ao passo que três grupos de batalhões (Minimalgruppe Balkan) permaneceriam na defesa contra os sérvios.

Na reunião de 7 de julho, Conrad admitiu a possibilidade de intervenção russa, mas Stürgkh e Bilinski argumentaram que considerações internas excluíam qualquer coisa a não ser o uso decisivo de força maciça. Como primeiro-ministro austríaco, Stürgkh era plenamente sensível à natureza frágil do império multinacional. Os 22 partidos no Reichsrat refletiam o amplo caleidoscópio de identidades nacionais e ideológicas em sua metade do domínio de Francisco José, e sob tais condições caóticas Stürgkh, como seus antecessores desde a virada do século, só podia governar recorrendo com frequência aos poderes de emergência do imperador. Nenhum partido queria a continuação desse status quo e alguns, pelo menos de maneira velada, eram favoráveis à divisão do império em Estados nacionais. Tradicionalmente, os partidos tchecos tinham sido os oponentes mais eloquentes do regime, e seus líderes, em especial Tomáš Masaryk, estariam entre os primeiros a seguir para o exílio em Paris ou Londres assim que a guerra começasse. Sob tais circunstâncias, Stürgkh acreditava que qualquer sinal de fraqueza por parte do governo apenas fortaleceria seus críticos internos. Bilinski também estava ciente da necessidade de agir de maneira rápida e decisiva.

Como ministro das Finanças, entre as atribuições de sua pasta incluía-se a administração da Bósnia, cujos partidos rivais sérvios, croatas e muçulmanos vinham competindo pelo controle de sua própria dieta (assembleia legislativa) provincial desde sua criação em 1910. Ele ecoava os temores de Stürgkh de que a dominação austro-húngara na Bósnia não teria condições de se perpetuar a menos que a Sérvia fosse esmagada, e também julgava que uma crise prolongada causaria a indesejada quebra da economia da Monarquia Dual. Somente Tisza hesitou, acreditando que nada de bom podia resultar da guerra que Conrad descreveu: se as coisas dessem certo, o provável era que mais eslavos fossem anexados ao império, diluindo a influência dos magiares; se dessem errado, sua Hungria acabaria pagando o preço e arcaria com o fardo de uma invasão russa.

Como Tisza continuou cético após o conselho ministerial de 7 de julho, Berchtold tentou persuadi-lo enfatizando que agora a Alemanha esperava que a Áustria-Hungria fosse à guerra, e se Monarquia Dual não estivesse à altura do desafio sua aliança com a Alemanha – aliança que Tisza, como a maior parte dos húngaros, valorizava muitíssimo – estaria em risco. Tiradas de contexto, as palavras do ministro do Exterior ao primeiro-ministro húngaro são citadas como evidência por historiadores que superestimam o papel das expectativas da Alemanha em moldar o comportamento austro-húngaro durante julho de 1914. Com a única exceção de Tisza, os líderes da Monarquia Dual claramente queriam a guerra com a Sérvia e estavam dispostos a arriscar um conflito com a Rússia conquanto contassem com o apoio da Alemanha.



À espera da guerra

Diversos fatores já foram aventados para explicar a demora de 16 dias dentre o relatório de Hoyos ao conselho ministerial e o ultimato do Império Austro-Húngaro à Sérvia. As versões mais indulgentes citam o gradual processo de convencimento de Tisza e dos húngaros a se arriscar em uma guerra, ao passo que críticos mais severos citam simples inabilidade e indecisão. Entretanto, pesquisas acadêmicas recentes revelaram que, já na noite de 6 de julho, quando Hoyos retornou de Berlim com o “cheque em branco”, o Estado-Maior austro-húngaro determinou que a Sérvia não deveria receber o ultimato antes do dia 22 ou 23 do mesmo mês, por causa do grande número de soldados que estavam de licença para trabalhar na colheita. Com exceção da Rússia, a Monarquia Dual era a mais rural das grandes potências europeias e, em 1913, apenas 9% de sua população vivia em cidades ou pequenos municípios. Como era tradição, os soldados tinham sido enviados de volta para casa a fim de que pudessem efetuar o trabalho agrícola por várias semanas no verão, em um cronograma coordenado territorialmente pelos corpos de exército e escalonado de forma a atender às necessidades das colheitas das várias regiões do império. Quando da missão de Hoyos, 7 dos 16 corpos já tinham recebido licença para o verão de 1914. Reconvocá-los de súbito afetaria as colheitas e suscitaria suspeitas de que o Império Austro-Húngaro pretendia declarar guerra à Sérvia. As licenças de cinco corpos do Exército terminariam no dia 19 de julho, e as de dois outros, no dia 25, 5 A menos que o fim das licenças fosse antecipado, o ultimato não poderia ser entregue em Belgrado mais do que poucos dias antes dessa segunda data. Em 8 de julho, quando Conrad se reuniu com Berchtold, Hoyos e outros altos funcionários do Ministério do Exterior, este primeiro confirmou que “entregar[iam] o ultimato somente após as colheitas”, não antes do dia 22. Ao tomar essa decisão, os líderes austro-húngaros não levaram em conta que, a cada dia que passava, a indignação internacional diante do assassinato de Francisco Ferdinando estava se dissipando, o que solapava a posição de superioridade moral que o Império Austro-Húngaro ocupava, ou que uma demora tão excessiva podia dar às outras potências uma abertura para manipular a crise, criando dificuldades e desvantagens para a Monarquia Dual. Confiante no curso de ação que tinham estabelecido, Berchtold encerrou a reunião com a sugestão de que Conrad e Krobatin saíssem de férias, “para dar a impressão de que nada est[ava] acontecendo”. E foi o que fizeram, ao longo dos 11 dias seguintes.

Nessa etapa, Conrad não empreendeu esforço algum para coordenar planos de guerra com seu correspondente alemão, Helmuth von Moltke, o Jovem, com quem tinha mantido um canal de comunicação direto desde a crise bósnia de 1908 e 1909. Se o conflito atual se desenrolasse da mesma maneira que a crise bósnia, a ameaça de uma mobilização alemã bastaria para fazer os russos recuarem, deixando a Áustria-Hungria livre para atacar a Sérvia, e, portanto, a troca de ideias entre os dois exércitos era desnecessária. Caso o conflito redundasse em guerra europeia generalizada, cada parte já sabia o que esperar da outra. Conrad conhecia as linhas gerais do plano alemão de uma guerra em duas frentes de batalha contra a combinação de França e Rússia, o plano atribuído a Alfred von Schlieffen, o antecessor de Moltke no posto de chefe do Estado-Maior alemão. Schlieffen tinha se aposentado em 1906 e morrera em 1913, mas o conceito geral de sua estratégia – derrotar primeiro a França com uma força esmagadora e depois enfrentar a Rússia, cuja mobilização era mais lenta – sobreviveu a ele. Conrad tinha consciência de que, em caso de guerra generalizada, sete dos oito exércitos alemães (34 corpos, incluindo 11 corpos de tropas de reserva) seriam postos em ação contra a França, deixando apenas um exército (quatro corpos, incluindo um corpo de tropas de reserva) na Prússia oriental para enfrentar a Rússia. Assim, os 13 corpos de exército austro-húngaros mobilizados ao longo da fronteira com a Rússia (sob o Plano R) teriam de aguentar a maior parte do fardo e das pressões no leste até que a Alemanha derrotasse a França. Nos anos anteriores a 1914, Conrad pressionou insistentemente Moltke a alocar mais tropas na frente oriental, mas o cálculo jamais mudou. Em sua última reunião pré-guerra, em 12 de maio de 1914, no resort de Carlsbad, na Boêmia, Moltke mais uma vez reiterou a suposição do Plano Schlieffen (ou pelo menos uma versão modificada dele) de que a Alemanha teria “acabado com a França seis semanas depois de iniciadas as operações”. Ele não pediu especificamente a Conrad que tomasse atitudes para deter os russos no início da guerra, mas, em vez disso, aferrou-se à velha hipótese de que o exército do czar levaria tempo demais para se mobilizar, o que faria da obrigação inicial do exército da Áustria-Hungria no leste uma empreitada nem penosa nem arriscada.

Se Conrad não se esforçou para contatar Moltke na esteira da missão de Hoyos, por sua vez, Moltke e seu Estado-Maior tampouco tomaram medidas adicionais. Seus complexos cronogramas de mobilização já tinham sido revistos para acomodar o exército mais numeroso que haviam ganhado do Reichstag com a Lei do Exército de 1913, que eles não teriam medo de usar. Em dezembro de 1912, durante a primeira Guerra dos Bálcãs, Moltke expressara a Guilherme II e Tirpitz sua opinião sobre uma guerra europeia geral: “quanto antes, melhor”, porque, em cinco anos, a combinação franco-russa seria forte demais para ser superada pelos alemães. Tirpitz não compartilhava desse sentido de urgência, pois o inimigo da marinha alemã era a Grã-Bretanha e ele tinha a convicção de que, na competição naval-industrial, o tempo estava do lado da Alemanha.

Depois disso, a liderança alemã estava pronta para explorar qualquer crise a fim de conseguir sua guerra geral, conquanto a Rússia parecesse ser o agressor e a Grã-Bretanha se mantivesse neutra. O imperador e seus ministros se sentiam confiantes de que, se o czar fosse o primeiro a ordenar uma mobilização geral, até mesmo os social-democratas apoiariam o aporte financeiro para uma resposta alemã, mas, em qualquer outro cenário, o maior partido do Reichstag e seus milhões de seguidores seriam um sério problema interno. Assim, à medida que a Crise de Julho de 1914 foi se desdobrando, a postura dos alemães foi de esperar para ver. Se o ataque do Império Austro-Húngaro à Sérvia provocasse a mobilização da Rússia, o Plano Schlieffen seria acionado e eles conseguiriam a guerra que queriam; senão, ficariam à margem dos eventos, enquanto a empreitada da Monarquia Dual resultaria numa terceira Guerra dos Bálcãs. É claro que, mesmo que a Rússia se comportasse da maneira que a Alemanha queria, ainda seria preciso assegurar a neutralidade britânica. Para esse fim, em 6 de julho – o dia em que Hoyos partiu de Berlim –, o ministro do Exterior, Gottlieb von Jagow, começou a dar deliberadamente informações errôneas a seu próprio embaixador em Londres, o príncipe Karl Marx von Lichnowsky, no sentido de que a diretriz alemã era dissuadir o Império Austro-Húngaro de reagir de modo intempestivo ao assassinato de Francisco Ferdinando; assim, Jagow certificou-se de que o embaixador alemão passaria adiante essa mentira ao ministro do Exterior britânico, sir Edward Grey. Depois de passar boa parte do mês de julho acreditando que a Alemanha buscava sinceramente evitar a guerra refreando a Áustria-Hungria, Grey prometeu que a Grã-Bretanha faria sua parte refreando seu parceiro de Tríplice Entente, a Rússia.

O desejo da Alemanha e do Império Austro-Húngaro de manter a Itália desinformada enquanto a crise se desenrolava reflete a falta de confiança em seu parceiro de Tríplice Aliança; de fato, em Berlim e Viena, só os mais rematados otimistas julgavam que os italianos se manteriam f

iéis à aliança por muito mais tempo. Na reunião em Carlsbad em maio de 1914, Moltke ainda contava com o apoio da Itália em uma guerra contra a França, ao passo que Conrad não esperava mais do que uma genuína neutralidade italiana. Em vez disso, viram-se diante de uma neutralidade italiana que claramente beirava a deserção para o campo inimigo. No dia 10 de julho, o ministro do Exterior italiano, Antonio di San Giuliano – pelos padrões italianos, também um amigo da aliança – tinha dito ao embaixador alemão em Roma que a Itália esperava receber todo o Tirol do Sul (de língua italiana) como compensação por quaisquer ganhos austríacos nos Bálcãs.

San Giuliano considerava a questão da indenização suficientemente séria a ponto de não apenas arruinar a Tríplice Aliança, mas também de causar uma guerra entre Itália e Império Austro-Húngaro.

Enquanto a Crise de Julho continuava a se desenrolar, a França permanecia como a menos envolvida das potências europeias, devido às visitas de Estado do presidente Poincaré à Rússia e aos países escandinavos (entre 16 e 29 de julho), acompanhado de uma comitiva que incluía o premiê René Viviani, que também exercia a função de ministro do Exterior. Desde a Primeira Guerra Mundial, há interpretações da Crise de Julho de 1914 que vinculam a visita de Poincaré à Rússia ao momento da divulgação do ultimato da Áustria-Hungria à Sérvia, sob o argumento de que a Monarquia Dual, a conselho da Alemanha, buscou agir deliberadamente quando Poincaré estava em viagem, longe de Paris, mas também incapaz de coordenar uma resposta para a crise em reuniões cara a cara com os russos. Os líderes austro-húngaros, porém, jamais discutiram os planos de viagem de Poincaré em suas deliberações, e, em todo caso, entregaram seu ultimato aos sérvios pouco antes de a delegação francesa deixar São Petersburgo, enquanto Poincaré e Viviani ofereciam um jantar para Nicolau II e a família imperial a bordo do couraçado France. De sua parte, Poincaré e Viviani só tiveram discussões mais gerais com os líderes russos enquanto ainda estavam em São Petersburgo (de 20 a 23 de julho), por meio das quais o presidente francês constatou que o czar estava mais preocupado com as relações entre a Rússia e a Suécia do que com a crise que pairava nos Bálcãs. Antes de ir embora, Poincaré reiterou a Nicolau II a “solidez inabalável” de sua aliança.



O ultimato do Império Austro-Húngaro à Sérvia

Nos dias que se seguiram às conversas de 3 e 4 de julho entre Pašić e o ministro do Exterior, Sazonov, o primeiro-ministro e outros altos funcionários sérvios se mostraram incapazes de demonstrar o tipo de prudência que sua situação exigia. Enquanto os políticos sérvios faziam discursos inflamados, diplomatas sérvios em várias capitais estrangeiras davam entrevistas a jornais eivadas de declarações antiaustríacas, e em 12 de julho, em uma entrevista a um diário de Leipzig, o próprio Pašić usou um tom hostil e provocador, concentrando-se nos supostos maus-tratos impingidos pelo Império Austro-Húngaro ao povo sérvio. Dois dias depois, o primeiro-ministro piorou ainda mais as coisas ao discursar, em Belgrado, nos funerais de Estado em honra ao embaixador russo Nikolai Hartwig, a quem louvou não apenas como grande amigo da Sérvia, mas também um herói pan-eslavo. Falando para uma plateia numerosa, Pašić não perdeu a oportunidade de exaltar Nicolau II como o protetor dos povos eslavos. Seu otimismo de que a crise teria um fim pacífico continuava minguando, e na noite de 18 para 19 de julho ele telegrafou a todos os postos sérvios no exterior (exceto Viena), alertando seus diplomatas de que a Áustria-Hungria provavelmente faria exigências incompatíveis com a soberania da Sérvia e instruindo-os a angariar apoio diplomático.

Em Viena, o conselho ministerial por fim se reuniu em 19 de julho para redigir o ultimato austro-húngaro a ser encaminhado à Sérvia e determinar qual seria o momento exato de sua entrega. Conrad retornou das férias para se juntar ao contra-almirante e aos cinco ministros na reunião, e mais uma vez recapitulou os planos de guerra. Ele se concentrou no Plano B (para uma guerra nos Bálcãs contra a Sérvia) e tratou o Plano R (Rússia) como mera contingência. Conrad não teve papel ativo na formulação do ultimato, o qual, em todo caso, Berchtold e os ministros já tinham concluído que devia ser escrito de maneira a garantir que a Sérvia o rejeitasse. O ultimato começava com um longo preâmbulo repreendendo a Sérvia por não ter honrado o compromisso firmado em março de 1909, no término da crise bósnia, de buscar relações “amigáveis e corteses” com o Império Austro-Húngaro; a seguir, culpava a Sérvia pelo assassinato de Francisco Ferdinando:

Pelas declarações e confissões dos autores do assassinato de 28 de junho, está claro que a ação foi concebida em Belgrado, que os assassinos receberam de oficiais e altos funcionários sérvios as armas e bombas com as quais estavam equipados e, por fim, que o envio dos criminosos e suas armas para a Bósnia foi providenciada sob a condução de autoridades de fronteira sérvias. O documento impunha o texto de uma nota de contrição (de 178 palavras) que a Sérvia seria obrigada a divulgar, depois listava dez exigências.

Algumas eram específicas, outras, mais gerais; o segundo ponto, exigindo a dissolução da Narodna Odbrana, e não da Mão Negra, revelava que os líderes austro-húngaros não sabiam da existência do grupo terrorista que efetivamente levou a cabo o assassinato. Inseridas na lista havia duas exigências que nenhum Estado soberano poderia aceitar: o quinto ponto, que dava a organizações e representantes do governo austro-húngaro autoridade para atuar na supressão de movimentos subversivos em território sérvio, e o sexto ponto, que autorizava funcionários do governo austro-húngaro a ter papel ativo nas investigações, trâmites legais e processos judiciais contra os conspiradores sérvios. O embaixador de Berchtold em Belgrado, o barão Vladimir von Giesl, entregou o ultimato às seis da tarde da quinta-feira dia 23 de julho, dando ao governo sérvio 48 horas para responder incondicionalmente ou arcar com a declaração de guerra.

Mais tarde, na mesma noite, Pašić, seus ministros, o rei Peter e os príncipes Karageorgević decidiram rejeitar o ultimato. Nos dois dias seguintes, Grã-Bretanha, França e Itália recomendaram com insistência uma resposta conciliadora, senão a aceitação incondicional, e entre os países dos Bálcãs somente Montenegro comprometeu-se a apoiar a Sérvia em caso de guerra. Pašić supôs que a Alemanha daria apoio à Áustria-Hungria, e por isso temia a mesma conjuntura que dera fim à crise bósnia de 1908 e 1909, quando a Rússia não se manteve ao lado da Sérvia. Mas ao longo dos cinco anos anteriores, a composição do conselho de ministros do czar tinha mudado quase inteiramente, e a Rússia ficara mais forte do ponto de vista militar. Os líderes russos, assim como os líderes austrohúngaros, também sentiam a necessidade de mostrar resolução nessa ocasião particular, em nome do futuro status de seu país como grande potência. Para os russos, o contexto histórico não era tão ruim quanto para os austríacos – que desde 1815 não ficavam do lado vencedor de uma guerra –, mas a humilhante derrota para os japoneses uma década antes, seguida por uma retirada na mais recente crise bósnia, certamente havia deixado nos súditos do czar a sensação de que agora eram menos respeitados em âmbito internacional; de fato, isso era verdade e se refletia nos mais recentes planos de guerra da Alemanha e do Império Austro-Húngaro, que subestimavam em muito o poderio russo. Quando os ministros russos se reuniram em 24 de julho, Sazonov exigiu ação em nome da Sérvia, mesmo sob o risco de uma guerra com a Alemanha e o Império Austro-Húngaro. Ainda que reconhecesse o poderio dos alemães, Sazonov não os considerava imbatíveis e temia as consequências de mais um recuo. Como ele já tinha dito antes para o embaixador russo em Londres, “sentir-se em seu momento mais forte e ainda assim recuar diante de um adversário cuja única superioridade consiste em sua organização e sua disciplina não é apenas humilhante, mas perigoso, por causa da desmoralização que isso traz”. Entre os outros ministros russos mais importantes, somente o das Finanças, Pyotr Bark, hesitou antes de tornar a decisão unânime. O ministro da Guerra, general Vladimir Sukhólminov, e o ministro da Marinha, almirante Ivan Grigórovich, asseguraram a seus colegas que a Rússia estava forte o suficiente para lutar. Para eles, a presente crise não era mais que uma oportunidade; a bem da verdade, seu maior desafio era decidir quem atacar primeiro.

Embora a inteligência militar não fizesse conjecturas sobre detalhes específicos do Plano Schlieffen, não era segredo que, em caso de uma guerra em duas frentes, o foco inicial da Alemanha seria os franceses, criando o ensejo para que a Rússia obtivesse uma vitória na Prússia oriental. Os russos também se sentiam extremamente confiantes em sua capacidade de derrotar o Império Austro-Húngaro, cujos planos de guerra tinham sido transmitidos a eles pelo coronel Alfred Redl, um dos oficiais do Estado-Maior de Conrad, antes de seu suicídio em maio de 1913, quando sua traição foi descoberta. No dia 25 de julho, os ministros voltaram a se reunir, dessa vez presididos por Nicolau II, e reafirmaram sua decisão de ir à guerra; após a reunião, por intermédio do embaixador sérvio em São Petersburgo, Sazonov prometeu a Pašić que a Rússia ajudaria.

O czar planejava anunciar um “período preparatório para a guerra” no dia seguinte, mas a promessa de apoio feita por Sazonov, que chegou a Belgrado pouco antes de expirar o prazo de resposta ao ultimato austrohúngaro, não entrava em detalhes sobre a forma como a Rússia ajudaria. Sem uma garantia específica de apoio militar da Rússia, Pašić entregou a Giesl – às seis da tarde do prazo final – a resposta mais conciliadora que a Sérvia era capaz de dar. Ele rejeitava o sexto ponto, mas aceitava o quinto com condições e acatava incondicionalmente o restante do ultimato. Pašić propôs ainda que, no caso de sua reposta ser considerada insatisfatória, o conflito fosse mediado pela Corte Permanente de Arbitragem (estabelecida em 1899 em Haia) ou pelas grandes potências europeias em conjunto.

Alguns historiadores já afirmaram que a Sérvia teria aceitado as exigências da Áustria-Hungria caso a Rússia não tivesse oferecido seu apoio, mas as evidências mostram que a liderança sérvia nunca teve a menor intenção de aceitar o ultimato em sua totalidade, e, em todo caso, a oferta russa de apoio em 25 de julho era por demais vaga para influenciar a resposta de Pašić a Viena.

Seguindo as instruções que recebera de Berchtold, Giesl imediatamente informou Pašić que as relações diplomáticas entre seus países estavam rompidas. Mais tarde, na mesma noite, Francisco José autorizou a implementação do Plano B, mobilizando sete unidades do exército para invadir a Sérvia. Conrad designou a terça-feira seguinte, 28 de julho, como o primeiro dia de mobilização, de forma a facilitar a ativação dos dois grupos de batalhões cuja licença terminava no dia 25 (incluindo o 7° Corpo, baseado no sul da Hungria, do lado oposto do Danúbio em relação à Sérvia). Horas antes de responder ao ultimato, a Sérvia dera início aos preparativos para transferir a sede do governo de Belgrado para a segurança de Niš, 160 km a sudeste. Na mesma noite, enquanto o Império Austro-Húngaro ordenava a mobilização parcial de suas forças armadas, a Sérvia iniciava a preparação total de seu próprio exército. Então, no dia 26, Rússia começou seu “período preparatório para a guerra”, uma prémobilização baseada nas decisões tomadas pelo czar e seus ministros no dia anterior. Na manhã de segunda-feira, 27 de julho, quando os estadistas de outras capitais da Europa leram a resposta da Sérvia ao ultimato, incluindo o apelo por uma mediação das grandes potências, o momento de mediação já tinha passado. Encorajado pela iminente mobilização russa, Pašić certamente não tinha a intenção de se mostrar mais conciliador do que já tinha sido em sua resposta inicial. Na verdade, agora que sabia que a Sérvia tinha seu próprio “cheque em branco” e podia contar com o apoio da Rússia acontecesse o que acontecesse, ele desejou ter sido menos conciliador dois dias antes. Contudo, logo ficaria claro que, ao aceitar a maior parte dos pontos do ultimato, Pašić tinha conquistado um triunfo no tribunal da opinião pública internacional, mesmo que a Sérvia tivesse rejeitado os dois pontos que realmente importavam e que, se levados a cabo, teriam exposto a cumplicidade dos oficiais e autoridades sérvios no assassinato do arquiduque. A declaração formal de guerra do Império Austro-Húngaro chegou a Belgrado pouco depois do meio-dia da terça-feira dia 28 de julho. Graças à rede vigente de compromissos nas alianças, oito dias depois, oito países, incluindo cinco das seis grandes potências da Europa, estavam em guerra com, pelo menos, um de seus vizinhos.



O ULTIMATO DO IMPÉRIO AUSTRO-HÚNGARO À SÉRVIA

O ultimato do Império Austro-Húngaro à Sérvia, entregue no dia 23 de julho de 1914, fazia as seguintes exigências ao governo sérvio:
Extinguir qualquer publicação que incite o ódio e o desprezo à monarquia austro-húngara e a tendência geral contra sua integridade territorial;
Dissolver imediatamente a sociedade chamada Narodna Odbrana e proceder do mesmo modo contra todas outras sociedades (e suas ramificações na Sérvia) engajadas na propaganda contra a monarquia austro-húngara;
Eliminar, sem demora, de instituições públicas sérvias [...] tudo que sirva para fomentar a propaganda contra o Império Austro- Húngaro;
Remover, do serviço militar e da administração em geral, todos os oficiais e funcionários ligados à propaganda contra a monarquia austro-húngara;
Aceitar a colaboração de representantes do governo austrohúngaro, em território sérvio, na supressão de movimentos subversivos direcionados contra a integridade territorial da monarquia;
Iniciar procedimentos judiciais contra os cúmplices da conspiração de 28 de junho que estão em território sérvio; além disso, órgãos delegados pelo governo austro-húngaro tomarão parte na investigação;
Prender imediatamente o major Voislav Tankosić e [...] Milan Ciganović, funcionário público sérvio, que foram comprometidos pelos resultados das investigações preliminares em Sarajevo;
Evitar [...] a participação de autoridades sérvias no tráfico ilegal de armas e explosivos através da fronteira; dispensar e punir severamente os funcionários do serviço de fronteira [...] culpados de terem auxiliado os responsáveis pelo crime de Sarajevo ao facilitar sua passagem pelas fronteiras [...];
Fornecer [...] explicações acerca de declarações injustificáveis de autoridades e funcionários de alto escalão sérvios, tanto na Sérvia quanto no exterior, que, não obstante sua posição oficial, não hesitaram, após o crime de 28 de junho, em expressar sua hostilidade para com o governo do Império Austro-Húngaro; e, por fim;
Notificar sem demora o Governo Real e Imperial Austro-Húngaro da execução das medidas supracitadas […]. O Governo Imperial Austro-Húngaro aguarda a resposta do Governo Real o mais tardar às seis horas da noite de sábado, dia 25 de julho.



Caem os dominós Percebendo que a Europa estava à beira de uma guerra geral, chefes de Estado, ministros e generais cancelaram de repente seus planos de verão e retornaram a suas capitais. No mesmo dia 27 de julho, Poincaré e Viviani interromperam seu giro pela Escandinávia e voltaram rapidamente para casa, e Guilherme II abreviou um cruzeiro no Báltico a bordo de seu adorado iate Hohenzollern para retornar a Berlim. Sir Edward Grey tomou a frente do esforço britânico de mediação, que, no dia 27, recebeu o endosso da França; porém, no mesmo dia, a França assegurou seu apoio à Rússia em caso de guerra, e Grey informou ao embaixador alemão, Lichnowsky, que a Grã-Bretanha não permaneceria neutra em uma guerra que colocasse seus parceiros de Entente contra a Alemanha e a Áustria-Hungria. Grey exagerou ao fazer tal declaração, que, naquela ocasião, a maior parte de seus colegas do gabinete liberal de Asquith não teria apoiado, mas pelo menos havia outro ministro um passo à frente dele: Winston Churchill, primeiro lorde do almirantado, naquela mesma fatídica segunda-feira ordenou que a esquadra não se dispersasse depois de exercícios de mobilização realizados no fim de semana.

Na tarde do dia 28 de julho, pouco depois da declaração de guerra, a artilharia austro-húngara começou a bombardear Belgrado do outro lado dos rios Danúbio e Sava; naquela noite, três monitores da flotilha do Danúbio juntaram-se ao bombardeio. No mesmo dia, sem consultar seus ministros ou generais, Guilherme II pediu à Áustria-Hungria que “só parasse em Belgrado” – cruzando o Danúbio e ocupando a capital sérvia, mas depois dando à diplomacia tempo para trabalhar – e também iniciou uma série de deliberações diretas e pessoais com seu primo Nicolau II, os chamados “telegramas Willy-Nicky”, mas sem sucesso. Bethmann Hollweg também ficaria apavorado no meio da semana, apesar da bravata anterior; compreensivelmente, sua hesitação – e a de Guilherme II – causou considerável ansiedade em Viena. A quarta-feira, 29 de julho, foi agitada para as três potências da Entente. Poincaré e Viviani desembarcaram em Dunquerque e de lá seguiram às pressas para Paris, onde o presidente convenceu o gabinete de que, na presente crise, a França deveria ter uma frente interna unida e o apoio da Grã-Bretanha, coisas que só seriam possíveis caso a Alemanha fosse o agressor. Para garantir que as tropas francesas não fizessem algo que pudesse ser interpretado como provocação, Poincaré ordenou que as unidades postadas ao longo da fronteira recuassem 10 km para dentro do território francês, manobra posta em marcha no dia seguinte. Nesse ínterim, Grey apresentou ao restante do gabinete em Londres suas justificativas em prol da guerra, enfatizando sua convicção de que, em breve, a Alemanha invadiria a França através da neutra Bélgica (que, a essa altura, estava suficientemente alarmada a ponto de ordenar a mobilização de suas próprias tropas), mas seus argumentos não conseguiram convencer a maior parte de seus colegas. Por fim, em São Petersburgo, Nicolau II ordenou uma mobilização geral do exército russo, mas depois mudou de ideia e revogou as ordens na mesma noite. Assediado por protestos de seus generais e ministros, no dia seguinte, o czar se arrependeu e cedeu, determinando o início da mobilização russa a partir de 31 de julho. A mobilização geral da Rússia deu aos alemães a guerra que queriam e privou o Império Austro-Húngaro da guerra que a Monarquia Dual achava que tinha obtido. No início da tarde do dia 31, uma hora depois de a notícia chegar a Berlim, Guilherme II anunciou que a guerra era iminente; a Alemanha encaminhou um ultimato à Rússia, dando prazo até o dia seguinte para que cessassem os preparativos para o conflito. Um segundo ultimato, agora para a França, exigia não apenas uma declaração de neutralidade francesa caso Alemanha e Rússia fossem à guerra – o que era bastante razoável se a intenção alemã era limitar a guerra aos Bálcãs e ao Leste Europeu –, mas também a ocupação alemã de bases fortificadas francesas em Verdun e Toul, pelo tempo que durasse a guerra, como garantia. Mais tarde, no mesmo dia, um terceiro ultimato de fato foi encaminhado ao Império Austro-Húngaro, pois Guilherme II enviou a Francisco José um telegrama instigando-o a esquecer a Sérvia e a concentrar suas atenções na Rússia enquanto a Alemanha derrotaria a França na fase inicial do Plano Schlieffen. A Francisco José não restava outra alternativa a não ser aquiescer, em nome da segurança de seu país, bem como apoiar os alemães. Infelizmente para a Monarquia Dual, a esmagadora notícia da mobilização russa e da reação alemã a ela chegou quando os exércitos austro-húngaros estavam organizados na direção contrária. Conrad tinha pensado que, se a pressão alemã não fosse suficiente para impedir a intervenção russa, um bem-sucedido ataque-relâmpago contra os sérvios o seria. A ordem inicial de mobilização ativou 7 das 16 unidades do exército (B-Staffel mais o Minimalgruppe Balkan) para acionar o Plano B contra a Sérvia, mas, no dia 29 de julho, Conrad tinha aumentado o contingente para 8 corpos (26 divisões), dando ordens para que o 3° Corpo, parte do A-Staffel, se juntasse ao B-Staffel e rumasse para o sul. Assim, ele investiu contra a Sérvia com um Plano B robustecido, envolvendo metade do exército austro-húngaro, sem tomar medidas de precaução na fronteira russa, a despeito de todos os sinais que apontavam para a intervenção russa. No dia 31 de julho, depois de tomar conhecimento da mobilização geral da Rússia, o conselho ministerial em Viena reafirmou a decisão de invadir a Sérvia, embora isso agora significasse a guerra com os russos e uma guerra generalizada na Europa. Mas as coisas tinham mudado completamente desde a missão de Hoyos.

Em vez de se envolver em uma guerra por seus próprios e limitados objetivos nos Bálcãs, o Império Austro-Húngaro seria obrigado a lutar em nome dos objetivos alemães, mais ambiciosos, contra a Tríplice Entente.

Após a reunião com os ministros, Francisco José ordenou uma mobilização geral, acionando os oito corpos de exército (A-Staffel) remanescentes. O Império Austro-Húngaro não queria uma guerra com a Rússia, principalmente um conflito em que a maior parte do exército alemão, pelo menos de início, estaria ocupada na região ocidental, mas àquela altura seus líderes pouco podiam fazer a não ser aferrar-se à promessa de Moltke de que a Alemanha “acabaria com a França seis semanas depois de iniciadas as operações”.

No dia 1° de agosto, sem obter resposta ao ultimato feito a São Petersburgo, a Alemanha ordenou mobilização geral e declarou guerra à Rússia. A França respondeu ao ultimato alemão com uma mobilização geral de suas tropas. Naquela noite, Moltke deu o primeiro passo para a implementação de seu plano de guerra ao dar ordens para que unidades avançadas do 4° Exército alemão entrassem em Luxemburgo, país neutro e que foi ocupado sem resistência. No dia seguinte, alegando que o exército francês estava à beira de violar a neutralidade belga, os alemães encaminharam um ultimato à Bélgica exigindo que autorizassem suas tropas para atravessar o país a caminho da França. Em troca, a Alemanha prometia garantir a integridade territorial da Bélgica e suas “possessões” (ou seja, o Congo belga) e pagar por quaisquer suprimentos confiscados ou danos materiais causados por seus soldados. No dia 3 de agosto, os belgas rejeitaram o ultimato como “uma flagrante violação do direito internacional” e anunciaram que se defenderiam contra o ataque. Sem que fossem contidos, os alemães seguiram à risca seu cronograma, declarando guerra à França naquele dia e aos belgas no dia seguinte. Na manhã do dia 4 de agosto, Moltke ordenou que unidades do 1°, 2° e 3° Exércitos cruzassem a fronteira entrando no território belga, ao passo que, no sul de Luxemburgo, o 5° Exército adentrava a França e, mais para o sul, o 6° e 7° Exércitos, mais fracos, ficavam na retaguarda defensiva em Lorena e na Alsácia. Mais tarde, no mesmo dia 4, o Reichstag aprovou o projeto de lei de 5 bilhões de marcos em créditos de guerra para custear a mobilização e as despesas iniciais da guerra. A bancada do SPD votou de forma unânime a favor do projeto, confirmando que o governo alemão tinha de fato conseguido a guerra que almejava. Por ter sido a primeira a iniciar a mobilização, aos olhos da opinião pública alemã – incluindo os socialistas –, a Rússia assumira para si o papel de agressor, municiando a causa alemã com uma boa dose de moralismo e da sensação de estar com a razão, o que cegou a população para a realidade de que seus próprios líderes tinham fomentado a guerra. Quando Karl Lamprecht, professor de História da Universidade de Leipzig, falou em um “uma singular e formidável sensação de elevação moral”, estava longe de ser uma voz solitária. De fato, nos primeiros dias de agosto de 1914, pouquíssimos alemães viam algum problema ou tinham alguma crítica a fazer à lógica do Plano Schlieffen de que, para se defender contra a Rússia, a Alemanha tinha de atacar primeiro a França e ainda por cima violar a Bélgica. Para sir Edward Grey, que tinha ido mais longe que a maioria de seus colegas de gabinete no desejo de levar a Grã-Bretanha à guerra, a invasão alemã da Bélgica foi uma dádiva de Deus, pois até aquele momento nada tinha sido capaz de convencer os não intervencionistas em Londres: nem a ocupação de Luxemburgo, nem o ultimato alemão à França, nem a ameaça de Grey de renunciar caso os britânicos não dessem apoio à França, tampouco a ameaça de Asquith de abandonar o cargo se Grey renunciasse. Na tarde de 3 de agosto, na Câmara dos Comuns, o ministro do Exterior fez seu derradeiro apelo em nome da guerra, vinculando a honra e os interesses britânicos não apenas ao destino da França, mas também ao da Bélgica. Depois do discurso, o líder conservador Andrew Bonar Law e o líder do Partido Parlamentar Irlandês, John Redmond, endossaram suas declarações, mas a principal conversão se deu dentro de seu próprio Partido Liberal. A agressão alemã à Bélgica causou uma indignação tão grande no principal líder não intervencionista, o ministro das Finanças David Lloyd George, que, do dia para a noite, ele se converteu em um ardoroso defensor da intervenção inglesa. Na noite do dia 3, depois que chegou a Londres a notícia de que os belgas haviam rejeitado o ultimato alemão, Lloyd George apoiou o envio a Berlim de um ríspido ultimato redigido por Asquith e Grey exigindo o f im de todas as ações hostis contra a Bélgica. Quando esse ultimato expirou no fim do dia 4 de agosto, a Grã-Bretanha declarou guerra à Alemanha.

Com essa ação, a França conseguiu a guerra que queria ou, pelo menos, a guerra sob as condições que Poincaré tinha esboçado ao retornar da Rússia. A Grã-Bretanha apoiava a França e, pelo menos na frente ocidental, a Alemanha era indiscutivelmente o agressor. Rememorando o momento com grande satisfação, Poincaré observou que, em âmbito internacional, “em contraste com o imperialismo austro-húngaro, a França tornou-se […] o representante vivo da justiça e da liberdade”, ao passo que, no âmbito interno, a “union sacrée, para a qual eu tinha apelado, brotou espontaneamente [...] em todos os corações”. De fato, imputar à Alemanha o papel de nação agressora era tão importante para a unidade interna francesa quanto a mobilização russa para a alemã. A profunda divisão entre conservadores católicos e secularistas liberais prosseguia, mas, durante boa parte da guerra, os partidários de Poincaré se aglutinaram em torno da “união sagrada” necessária para defender a nação em perigo. Em um importante e precoce sinal dessa unidade, Jean Jaurès, o líder do Partido Socialista, apoiou Poincaré desde o momento em que o presidente retornou da Rússia, e seu partido continuou a fazê-lo mesmo depois que um fanático de direita assassinou Jaurès em 31 de julho.

A declaração de guerra da Grã-Bretanha praticamente completou a configuração inicial dos beligerantes. No dia 5 de agosto, Montenegro demonstrou sua solidariedade para com a Sérvia declarando guerra à Áustria-Hungria. No dia seguinte, a Monarquia Dual se curvou por fim ao inevitável e declarou guerra à Rússia. Isso deu início a uma nova rodada de declarações formais de hostilidades entre Áustria-Hungria e os países já em guerra com Alemanha, e entre a Alemanha e os países já em guerra com a Áustria-Hungria. Única das grandes potências europeias ainda à margem dos acontecimentos, a Itália declarou sua neutralidade em 2 de agosto, dois dias após condenar o ataque austro-húngaro à Sérvia como um ato de agressão. Todos os beligerantes mobilizaram um número de soldados sem precedentes e os organizaram a velocidades inauditas, e, mesmo assim, demoraria boa parte do mês de agosto para que as primeiras unidades de combatentes estivessem plenamente preparadas.

Nas primeiras três semanas do mês, a Alemanha transportou quase 4 milhões de homens e 600 mil cavalos em 11 mil trens de 54 vagões cada.

No auge da mobilização alemã, com 7 de seus 8 exércitos rumando para o oeste, as pontes do Reno viam passar 560 trens por dia. Nenhum outro país tinha a infraestrutura ou a organização para deslocar de maneira tão eficiente um contingente grande de homens. O cronograma de mobilização do exército russo exigia um total de 360 trens por dia; já o austro-húngaro apenas 153.

O Império Austro-Húngaro enfrentou os maiores desafios e problemas na mobilização para a guerra devido à necessidade de abandonar sua ofensiva original contra a Sérvia (Plano B) a fim de lutar contra a Rússia (Plano R). Em 31 de julho, Conrad ordenou que cinco corpos de exército (os quatro do B-Staffel e um corpo de tropas destacado do A-Staffel) embarcassem em trens rumo ao sul para somar forças aos três corpos do Minimalgruppe Balkan e esmagar a Sérvia, enquanto os oito corpos remanescentes do A-Staffel enfrentariam a Rússia. Esses cinco corpos tiveram de dar meia-volta, mas o próprio departamento de ferrovias do Estado-Maior de Conrad aconselhou-o que, a não ser pelos corpos A-Staffel, qualquer tentativa de reverter a rota dos batalhões levaria a um caos completo. Seus especialistas em linhas férreas o convenceram de que seria melhor deixar que os quatro corpos do B-Staffel desembarcassem de trem na frente sérvia e depois reembarcassem em trens para o norte; eles garantiram, assim, que as tropas ainda chegariam à fronteira russa o mais tardar em 23 de agosto, mesmo número de dias que teriam levado para lá chegar se seguissem os cálculos originais do Plano R. Essa estimativa se mostrou demasiado otimista. Quando a batalha na frente russa começou para valer, conforme o planejado, no dia 23, o exército tinha à sua disposição apenas os nove corpos originalmente integrantes do A-Staffel. Metade do B-Staffel (o equivalente a dois corpos) por fim foi chegando aos poucos, entre 21 de agosto e 8 de setembro, de 8 a 16 dias depois do prometido. As tropas remanescentes chegaram tarde demais para participar das batalhas iniciais ou jamais chegaram.



Conclusão: guerra por acaso ou de caso pensado?

Em seus inúmeros tomos e compêndios sobre a eclosão da Primeira Guerra Mundial, muitos acadêmicos perderam de vista o fato de que os tiros disparados por Gavrilo Princip em 28 de junho de 1914 foram os primeiros disparos da guerra, e que o arquiduque e sua consorte foram as primeiras baixas do conflito. Naquela manhã de domingo em Sarajevo, a Sérvia começou a Primeira Guerra Mundial. O reino da Sérvia não era um Estado revolucionário como mais tarde seriam a União Soviética ou a República Islâmica do Irã, cujas autoridades centrais deliberadamente direcionavam suas interações com o mundo exterior em dois níveis: de maneira convencional, via embaixadas e organizações internacionais, e em sigilo, via atividade terrorista ou revolucionária. Tampouco era um Estado internamente fraco ou falido tal como o Afeganistão no final do século XX, desempenhando o papel de anfitrião de atores estrangeiros radicais não governamentais por quem seus líderes nutriam uma simpatia geral. Pelo contrário, a Sérvia era um Estado disfuncional ou semifalido que operava como Estado revolucionário porque um elemento transgressor e inescrupuloso dentro de seu próprio exército – apoiado ou tolerado por eminentes autoridades de sua política – comandava uma organização terrorista internacional. A Sérvia também diferia muito dos Estados falidos no sentido de que estava unificada internamente em torno de uma única ideia nacional. Era a força dessa ideia que tornava a Sérvia perigosa, pois era responsável por fazer com que muitos líderes sérvios fechassem os olhos para os terroristas, uma vez que o objetivo fundamental e definitivo deles era, afinal de contas, realizar essa ideia nacional.

O programa sérvio de terrorismo patrocinado ou tolerado pelo Estado contra o Império Austro-Húngaro propiciou o contexto em que a Monarquia Dual decidiu, em julho de 1914, resolver seu problema sérvio por meio da guerra. Os austro-húngaros estavam dispostos a correr o risco de um conflito mais amplo com a Rússia desde que contassem com o apoio da Alemanha. As lideranças da Monarquia Dual esperavam plenamente que a ameaça de intervenção germânica em seu nome fosse suficiente para compelir a Rússia a recuar e abandonar a Sérvia à própria sorte, o que tinha ocorrido na crise bósnia de 1908 e 1909. Assim, seu ultimato a Belgrado incluía exigências que eles sabiam que os sérvios não poderiam acatar. A mobilização geral da Rússia em apoio à Sérvia deu às lideranças alemãs uma oportunidade de ouro para que deflagrassem a guerra europeia que almejavam, mas para justificar seu ataque à França os alemães enviaram a Paris um ultimato com exigências que eles sabiam que os franceses não poderiam aceitar. Do lado da Entente não houve equivalente a esses ultimatos. A bem da verdade, as potências da Entente não fizeram ultimatos desse tipo a não ser o derradeiro ultimato britânico de 4 de agosto, em que a Grã-Bretanha ameaçava declarar guerra caso a Alemanha não desse um basta imediato às operações militares contra a Bélgica.

Portanto, nem de longe a Primeira Guerra Mundial começou por acidente. A Áustria-Hungria se expôs ao risco de uma guerra mundial para obter a guerra local que o império queria, e a Alemanha tirou partido da guerra local de seu aliado para obter a guerra geral que ela mesma queria.



No processo, a Monarquia Dual se viu presa a uma armadilha, atada ao compromisso de lutar fundamentalmente em nome dos objetivos de guerra alemães, ao fim e ao cabo sob direção alemã. Contudo, em retrospecto, as lideranças em Viena deixaram que a Crise de Julho saísse de controle muito antes de 3 de julho, quando a guerra geral tornou-se uma certeza e Berlim começou a ditar as ações austro-húngaras. Sua decisão de permitir que os soldados em licença para a colheita retornassem conforme o planejado estendeu seu cronograma de ação, dando às outras potências muita margem de manobra para direcionar os eventos para outros rumos e demasiado tempo para que diminuísse a reação favorável de indignação internacional com o assassinato do arquiduque. Além das decisões russas de mobilização, durante a crise, as potências da Entente não tomaram medidas provocativas, mas o encadeamento da Grã-Bretanha apoiando a França, que apoiava a Rússia, que apoiava a Sérvia, jogou sobre os ombros da Tríplice Entente a responsabilidade de ter apoiado o país cujos objetivos e diretrizes políticas tinham levado aos primeiros disparos. Se, por um lado, a Rússia não controlou as ações da Sérvia, assim como a Alemanha não controlou a Áustria-Hungria, em ambos os casos, as garantias de apoio de um aliado mais forte encorajaram o agente primário. Nos tensos dias do início de agosto de 1914, pouca gente teria previsto que, de todos os países diretamente mais responsáveis pelo início da guerra, apenas a Sérvia sairia com seus objetivos realizados.


Fonte:http://www.historia.templodeapolo.net/textos_ver.asp?Cod_textos=318&value=Primeira%20Guerra%20Mundial:%20A%20crise%20de%20Julho%20de%201914&civ=Primeira%20Guerra%20Mundial#topo

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