13.2.15

Dossiê Tríplice Aliança 150 anos: a guerra total



Igreja do Humaitá, destruída após ataque das tropas brasileiras: indefinição de limites territoriais foi uma das razões que culminaram na guerra



Por Eduardo Nakayama

A história da humanidade é manchada de sangue. Guerras mataram milhões em todos os continentes e ao longo dos séculos. O matemático inglês Lewus Fry Richardson (1881-1953) situou a Guerra da Tríplice Aliança como uma das piores calamidades da história Moderna, tendo alcançado magnitude 6 em uma escala de 1 a 7.

As causas e consequências do maior conflito internacional da História da América Latina não apenas são pouco conhecidas, em termos globais, como são objeto de controvérsia nos países participantes – Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. A história dessa contenda tem sido objeto de manipulações políticas e ideológicas em todos os países envolvidos, o que gera ainda mais confusão. Neste artigo, falaremos da causa imediata do conflito e de algumas das muitas consequências ocasionadas. Várias foram as razões que derivaram no megaconflito, chamado Guerra da Tríplice Aliança no Paraguai e Guerra do Paraguai no Brasil: entre as imediatas

estão, entre outras, a indefinição de limites entre o Paraguai, a Argentina e o Império brasileiro; a formação das nacionalidades na bacia do Prata e nas regiões fronteiriças do Brasil; questões comerciais e econômicas, inclusive a navegação fluvial e as revoltas internas que sacudiram Brasil, Uruguai e Argentina no século XIX. No entanto, o detonador dessa “guerra total” sem dúvida foi a situação uruguaia, cujos problemas internos extrapolaram as fronteiras cisplatinas para tomar uma escala regional. A “questão uruguaia” tem termo com a invasão das tropas imperiais a Banda Oriental, que transforma o conflito interno em internacional e dá início à Guerra da Tríplice Aliança.

Não raro, a questão uruguaia foi relegada a segundo plano e grande parte da historiografia brasileira se inclinou a considerar como “marco zero” do conflito o captura do barco brasileiro Marquês de Olinda pela marinha paraguaia. Ambos os episódios são cruciais para a compreensão do conflito, mas: o que se passou antes, o que teria levado o Paraguai a tomar a decisão de capturar a embarcação brasileira?

Não devemos nos esquecer de que a guerra envolveu, além de Brasil e Paraguai, Argentina e Uruguai e de que, se a captura doMarquês de Olinda representa o início militar das hostilidades entre a República do Paraguai e o Império do Brasil, a ação foi a represália paraguaia pela invasão imperial da Banda Oriental, o que fora indicado como casus belli (fato considerado por um Estado suficientemente grave para justificar uma declaração de guerra) pelo chanceler paraguaio José Berges na nota de 30 de agosto de 1864 dirigida ao Brasil.

Mas, antes de prosseguirmos, devemos voltar um pouco no tempo: a dividida Argentina havia se reunificado temporariamente em 1859, graças à atuação de Francisco Solano López, que agiu como mediador no Pacto de San José de Flores, que reconciliou Urquiza (Confederação Argentina) e Mitre (Estado de Buenos Aires). Essa união não duraria muito e os mesmos protagonistas definiriam sua sorte na Batalha de Pavón, em 17 de setembro de 1861, quando Buenos Aires assume a condução do país, que daí em diante se chamará República Argentina.

Em consequência dos constantes conflitos no Uruguai, muitos adversários do então governo haviam se refugiado em Buenos Aires, vários dos quais atuaram no exército de Mitre, que lhes dera liberdade para conspirar livremente contra Montevidéu. O principal líder era Venancio Flores, que teve atuação destacada na Batalha de Pavón e que, além de sua amizade com Mitre, tinha estreitas ligações com os estancieiros gaúchos do Rio Grande do Sul. Desde Buenos Aires, Flores preparou sua revolução contra o governo blancoapoiado por Mitre, que pagava assim o apoio do amigo na “pacificação nacional”, atuando por baixo dos panos, sob o manto de uma alega “neutralidade”.

Vislumbrando um possível cenário adverso, o governo uruguaio inicia gestões para aprofundar sua relação bilateral com o Paraguai, na tentativa de equilibrar as forças ante sua impossibilidade de enfrentar as constantes pressões que vinham da Argentina e do Brasil. O diplomata uruguaio Juan José de Herrera (futuro ministro das Relações Exteriores) lideraria uma missão ao Uruguai em 1862. Em delicado estado de saúde, o presidente Don Carlos Antonio López se encarregou de recebê-lo pessoalmente. Nessa oportunidade, se mencionou pela primeira vez a possibilidade de um acordo militar entre os dois países, o que foi descartado pelo governo paraguaio, que não queria se comprometer com uma aliança que geraria desconfianças, sobretudo da Argentina.

A partir de 1863 se aprofunda a escalada de tensões entre Argentina e Uruguai, com a invasão comandada por Flores com a intenção de derrubar o presidente uruguaio Bernardo Berro. O governo de Montevidéu enviou a Assunção, em julho de 1863, o dr. Octavio Lapido, como chefe de uma nova missão diplomática, que buscava alertar o governo paraguaio do apoio de Mitre aos revolucionários colorados de Flores. À frente do Estado paraguaio já estava Francisco Solano López, que assumira a presidência da República após a morte de seu pai, Don Carlos Antonio López. Seguindo a política paraguaia de não intervenção, Solano López tampouco acederia à aliança militar proposta. No entanto, abandonaria o isolacionismo paraguaio, iniciando uma política de maior intervenção nos assuntos do Prata.

O chanceler paraguaio José Berges dirigiu um pedido de explicações ao governo argentino sobre a denúncia feita por Montevidéu de que Buenos Aires alimentaria propósitos contrários à independência oriental e Mitre se negou repetidamente a atender à demanda por explicações de López, suspendendo ainda as conversações com vistas a solucionar as questões de fronteira ainda pendentes com o Paraguai. Em meio a esse clima de tensão, agravado pela detenção de barcos argentinos que conduziam apetrechos de guerra e tropas para o revolucionário Flores, se passou da ruptura diplomática para um estado de guerra de fato entre a Argentina e o Uruguai. Terminava o ano de 1863 e o Paraguai se pôs a postos para um eventual conflito bélico contra a Argentina, pondo em sobreaviso os acampamentos de Cerro León e Humaitá.

Bartolomeu Mitre, em vista das mudanças no ministério imperial, moveu suas peças, enviando ao Rio de Janeiro o diplomata José Mármol para informar sobre a situação do Prata e obter apoio. Essa missão, somada ao giro de 180 graus da política exterior imperial com a ascensão de Zacarias de Góis e Vasconcellos, daria seus frutos para Mitre, pois o Brasil somaria um novo conflito para o já debilitado governo uruguaio.

A Missão Saraiva chegou a Montevidéu com uma quantidade de exigências impossíveis de serem cumpridas pelo governo uruguaio. E já previa como represália a invasão armada do território uruguaio pelo Império. O barão de Mauá, grande conhecedor da política regional, alertou o governo imperial de que uma intervenção no Uruguai implicaria arrastar o Paraguai, que havia oferecido sua mediação e esforços diplomáticos para evitar o conflito, à guerra. Saraiva apresentaría seu ultimatum ao Uruguai em 4 de agosto de 1864. Ele seria devolvido pelo governo por ter sido considerado “indigno de permanecer em seus arquivos”.

O Império sabia que esse passo não poderia ter sido dado sem um entendimento prévio com a Argentina. Por isso, a aliança argentino-brasileira foi selada em Puntas del Rosario, em agosto de 1864, com o Protocolo Saraiva-Elizalde, por meio do qual a Argentina dava “luz verde” ao Império para intervir no Uruguai, o que constitui o antecedente direto do Tratado Secreto da Triplíce Aliança.

Para comprender a importância geopolítica do Uruguai, do ponto de vista do Paraguai, citamos o jurista e estadista argentino Alberdi: “Montevidéu é, para o Paraguai, por sua posição geográfica, o que o Paraguai é para o interior do Brasil: a chave de sua comunicação com o mundo exterior. Tão ligados estão os destinos do Paraguai com os da Banda Oriental, que, no dia em que o Brasil tornar-se dono desse país, o Paraguai já poderá se considerar uma colônia brasileira, ainda que conserve sua independência formal.

E pelo mesmo motivo de estar às margens do canal que formam os rios Paraguai, Paraná e Prata sujeita as províncias brasileiras a seguir um destino solidário com ele e com a Banda Oriental, estaria o Paraguai cego se tivesse vacilado em reconhecer que a ocupação da Banda Oriental pelo Brasil tinha o objetivo de assegurar as províncias imperiais situadas ao norte do Paraguai, bem como essa mesma República. Ocupada Montevidéu pelo Brasil, a República do Paraguai se veria envolvida pelos domínios do Império.

É neste ponto que o Paraguai se encontrava: ameaçado em sua própria indpendência pela invasão pelo Brasil da Banda Oriental. O país fez sua a causa da independência do Uruguai porque, com efeito, assim o era. Sua atitude de guerra contra o Brasil é essencialmente defensiva, ainda que as necessidades estratégicas tenham feito com que fosse além de suas fronteiras.

Essa identidade de causa entre o Paraguai e a Banda Oriental é comprovada pelo manifesto em que o Brasil anuncia às potências amigas a sua determinação de fazer a guerra ao Paraguai. Nele, o senhor Paranhos (Visconde do Rio Branco) dá conta de que a questão das fronteiras é a causa principal do conflito. É a essa questão, que por duas vezes havia posto armas na mão do Brasil e que não está resolvida ainda, que o Brasil quer dar solução, tomando ao Paraguai a vantagem de estar mais abaixo do Mato Grosso com a ocupação da Banda Oriental, que é a chave da navegação exterior do país.

Eis então por que o Paraguai viu em perigo iminente sua liberdade de navegação com o Brasil a caminho de se apoderar da Banda Oriental, como havia feito em 1820. A cumplicidade de Buenos Aires com a ocupação tornou ainda mais ameaçadora para o Paraguai a atitude do Império”.

Nesse entendimento, era de esperar que o Paraguai se opusesse à ocupação brasileira do Uruguai, o que foi advertido ao Império, mas este decidiu ignorar, procedendo à invasão. Os primeiros movimentos foram feitos em setembro de 1864 e, em 12 de outubro, a Villa de Melo, departamento de Cerro Largo, é ocupada pelo exército imperial, dando início oficial às hostilidades e tornando internacional o conflito com a invasão de um país soberano. Isso outorgou ao Paraguai a possibilidade de lançar mão dos meios a que se reservou no seu protesto de 30 de agosto.

O resto da história e os seis longos anos que se passaram até o desfecho do conflito, em 1º de março de 1870, são muito difíceis de serem relatados em traços breves, porém podemos concluir dizendo que a guerra foi negativa para todos os beligerantes. Para o Paraguai, significou a ruína total e a quase completa aniquilação: do ponto de vista demográfico, as perdas humanas foram piores que as supostadas pela Sérvia na Primeira Guerra Mundial. Foram destruídos a infraestrutura, a indústria, o comércio e a agricultura, e frearam-se ou extinguiram-se os avanços nos campos da educação, da arquitetura, artístico, literário, minerador naval, ferroviário, telegráfico etc. Isso sem contar o indisfarçável saque e pilhagem de que foram objeto suas principais cidades, os extensos territórios anexados pelo Brasil e pela Argentina e a impossibilidade de discutir quaisquer condições, sob ocupação militar até 1878, com uma dívida de guerra impagável que servia como meio de extorsão e para seguir impondo a vontade dos vencedores e com sua independência garantida segundo termos do tratado secreto de apenas cinco anos antes.

Fonte:http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/dossie_triplice_alianca_150_anos_a_guerra_total.html
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