13.3.15

Revolução Francesa: a hora e a vez dos cidadãos



Deputados na sala dos Menus-Plaisirs, em Versalhes, na representação da sessão de abertura dos Estados Gerais, a qual revelaria um rei deslocado da realidade de seu reino (Abertura dos Estados Gerais em 5 de maio de 1789, gravura, Charles Monet e Isidore-Stanislaus Helman, 1789)

Por Laurent Turcot

Uma leve brisa soprava sobre o verde-claro das alamedas e bosques dos jardins de Versalhes, mas, naquele 8 de agosto de 1788, Luís XVI estava esmagado pelas cifras em sua biblioteca. Necker, à frente das finanças do reino, tentava lhe mostrar a gravidade da situação: “Majestade, nosso orçamento anual passou de 200 milhões na metade do século para quase 630 milhões!”. O rei concordou com a cabeça. O silêncio era pesado. Ele não sabia o que responder. “Sim... sem dúvida!”, balbuciou. “Mas, Majestade...”, retomou Necker, “os impostos não são sufi cientes; estamos à beira da falência!” O soberano concordou novamente, mas ergueu os olhos, com majestade: “Senhor Necker, que escolha temos?”. O ministro sustentou o olhar do monarca, em sinal de desafi o, e anunciou: “Duas opções, Majestade: a primeira, não reconhecer as dívidas da França”. Fez uma pausa e inspirou profundamente antes de prosseguir: “E ignorar as consequências disso. E a segunda...”, sempre levando um tempo para respirar, mas dessa vez colocando as mãos sobre a escrivaninha do rei, “convocar os Estados Gerais, capazes de aprovar a cobrança de novos impostos a fim de evitar a ruina”.

Luís XVI se resignou. Ele convocou os Estados Gerais para 1° de maio de 1789. Começava então uma peça de teatro de vários autores, onde os papéis ainda não estavam bem escritos. Somente o local era conhecido: a sala dos Menus-Plaisirs, em Versalhes!

QUE ASSEMBLEIA SERIA AQUELA?

A última assembleia desse tipo ocorrera havia mais de um século e meio! Fazia muito tempo. Lembravam-se, porém, de que a votação era por ordem. Um voto para a nobreza, um para o clero e outro para o terceiro estado. Essa maneira de proceder levaria irremediavelmente a um resultado em favor de novos impostos para este último. No entanto, entre 1614 e 1789, a situação havia evoluído. A emergência de uma burguesia urbana de notários, advogados, banqueiros e homens eruditos criou uma categoria de indivíduos que queriam participar das decisões políticas. Todos eram relegados à posição de espectadores, pois, embora esclarecidos, eles caíam na vala comum que era o terceiro estado – ou seja, todos os que não eram nobres ou pertenciam ao clero: cerca de 95% da população. O que estava em jogo era saber como se votaria em 1789. Dois princípios foram objeto de debates: votar por cabeça – o que daria a maioria ao terceiro estado – ou dobrar o número de deputados. Luís XVI aceitou o segundo princípio em 27 de dezembro de 1788 – sem, contudo, esclarecer a maneira como seria a votação.

Antes da reunião dos Estados Gerais, pediram às três ordens que redigissem os cahiers de doléances, uma espécie de lista de propostas para recuperar a situação financeira da França. Os membros da nobreza e do clero ressaltavam seu amor pelo rei, pela França e, sobretudo, pela ordem estabelecida. Para eles, o caminho já estava traçado. Tratava-se de determinar a maneira pela qual poderiam cobrar mais impostos e com mais eficácia ao terceiro estado a fim de abastecer o caixa do Estado e reabsorver os déficits. Nada de novo. O terceiro estado, por sua vez, esperava muito mais do que uma simples reforma financeira. “Abaixo os privilégios e as corveias!” era a sua palavra de ordem.

As reclamações ecoavam como os gritos de um exército que se preparava para o combate. Evocaram-se então indistintamente o estado das estradas, a educação das meninas, a liberdade de pensar e de escrever, o preço do pão, as regulamentações que regiam as corporações e, certamente, a necessidade de estender os impostos a todos. Ninguém mais controlava a consulta. Os Estados Gerais mal haviam começado e a caixa de Pandora tinha sido aberta.

OS REGENERADORES ENTRAM EM CENA

Em março de 1789 ocorreram as eleições. Alguns homens, entre vinte e trinta anos, se destacaram. Chamavam-se Maximilien Robespierre, Jean-Joseph Mounier, Antoine Barnave, Emmanuel-Joseph Sieyès... Pretendiam levar as reivindicações vindas de todo o país. Queriam uma França nova, uma França “regenerada”. A palavra foi empregada em todas as ocasiões para qualificar a novidade que queriam impor. Em 2 de maio, todo o reino estava em Versalhes. Os cortesãos torceram o nariz para os 578 deputados do terceiro estado, enquanto se curvavam diante dos 291 deputados do clero e dos 270 da nobreza. As ruas estavam cobertas pelas mais belas tapeçarias, cercadas de branco e de flores-de-lis douradas. Três dias mais tarde, em 5 de maio, entraram na grande sala dos Menus-Plaisirs. Os deputados do terceiro estado admiraram as colunas inspiradas na Grécia antiga e pretendiam seguir o exemplo dos antigos gregos para reformar uma França gangrenada pelos privilégios. A sala foi rapidamente preparada. Algumas semanas antes, ali se amontoavam objetos de decoração e roupas que serviam ao deleite real.

O MAL QUE AFLIGIA LUÍS XVI

À uma hora da tarde, um anúncio tonitruante fez levantar toda a assistência: “O rei!”. Todos se agitaram, se empurraram uns aos outros, para ver, mas sobretudo escutar o que tinha a dizer Luís XVI sobre o desenrolar dos Estados Gerais. O soberano recebeu os deputados segundo a etiqueta: portas fechadas para a nobreza, abertas para o clero, e em fila para os deputados do terceiro estado. As roupas que estes últimos usavam, de um preto sóbrio, contrastavam com os luxuosos tecidos vermelhos, azuis, amarelos e verdes da nobreza e do clero. Em seguida, o rei entrou em cena. À esquerda e à direita ficavam a nobreza e o clero. O terceiro estado, bem distante, ficava do lado oposto ao soberano. Seus deputados eram obrigados a se esforçar para ouvi-lo. “O rei não fala de reforma”, surpreendeu-se um deputado. “O que ele falou sobre o desenrolar das sessões e a maneira de votar?”, perguntou um outro.

Do alto de seus 31 anos, Robespierre, recém-chegado de Arras, fez o relato a seus vizinhos: “Ele disse que reconhece sua autoridade e que a manterá”. Os deputados do terceiro estado se entreolharam, atônitos, e se perguntaram se o rei havia tomado conhecimento dos cahiers de doléances.

O que ignoravam, como provavelmente toda a França naquele momento, era que, desde 1787, o monarca sofria de neurastenia; caíra em uma profunda depressão que o deixou ainda mais taciturno e fechado do que nunca. “Prefiro deixar que interpretem mais meus silêncios do que minhas palavras”, dissera ele. Mas seus silêncios eram cada vez mais longos. E, para piorar, cada vez menos compreendidos.

“O REI NÃO SE INTERESSA MAIS POR NÓS!”

A forma de votação escolhida foi a mesma utilizada nos Estados Gerais de 1614: por ordem. O terceiro estado não se desencorajou com isso, dedicando-se a trabalhar pelo bem do reino e do povo. Seus deputados se sentiram então investidos de uma legitimidade maior que a das duas outras ordens. Em 17 de junho, eles sugeriram que os 95% da nação se constituíssem em Assembleia Nacional, representando o povo e trabalhando para seu bem. Eles haviam percebido que não precisavam mais da nobreza nem do clero.

Três dias mais tarde, os deputados dessa nova Assembleia reuniram-se na sala de costume. Jean Sylvain Bailly, um deles, ergueu os punhos cerrados e disse: “Acabou, cidadãos! O rei não quer mais saber de nós!”. Seguiram-se gritos. Era demais! Os reais estavam expulsando o terceiro estado. “Ao Jeu de Paume!”, lançou uma voz na multidão, e o cortejo, sem nem ter tido tempo de se organizar, colocou-se em marcha em direção à quadra do esporte de raquete e rede praticado em toda a Europa naquele tempo.

Logo ao chegar, eles empurraram os jogadores que haviam acabado de começar uma partida e que fugiram ao ver os primeiros deputados. Mesas foram viradas; subiram-se nas cadeiras para continuar o protesto contra o soberano, os nobres, o clero e contra todos que queriam impedi-los de se reunir para reconstruir a França. Enfim, os deputados prestaram juramento, uma cena mítica imortalizada pelo pintor Louis David. Todos ergueram a mão, afi rmaram querer dar ao país uma Constituição e declamaram, com um tom decidido e profundo, que não deveriam “jamais se separar” e “se reunir sempre que as circunstâncias exigissem ou até que a Constituição do reino fosse estabelecida”.

Três batidas soaram do fundo da sala. Havia chegado o marquês de Dreux-Brézé, o mestre de cerimônias dos Estados Gerais que, prestes a desembainhar sua espada, convidou o terceiro estado a se dispersar, ao que o conde de Mirabeau replicou com esta frase que ficou célebre: “Vá dizer a seu senhor que estamos aqui pela vontade do povo e que só sairemos pela força das baionetas!”. O rei cedeu: “Muito bem! Se não querem partir, que fiquem!”. As discussões da Assembleia continuaram. Discutiam sobre tudo, sobre oscahiers de doléances, e principalmente sobre a dívida pública. A revolução estava em marcha..

Fonte: http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/especial_revolucao_francesa_a_hora_e_a_vez_dos_cidadaos.html
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